Conforme o artigo 1.708 do Código Civil, a união estável do credor extingue a necessidade de pensão alimentícia. Assim, ao reconhecer a nova união estável de uma mulher, o juiz Vôlnei Silva Fraissat, da 3ª Vara de Família de Goiânia, suspendeu, em liminar, a pensão paga a ela por seu ex-marido.
Com consultor jurídico
Conforme os autos, desde o divórcio consensual, o homem pagava pensão mensal de sete salários mínimos a ela, para ajudá-la na reorganização, além de mais sete salários mínimos para a filha dos dois.
Em uma nova ação, ele relatou que sua ex-mulher passou a viver em união estável com outra pessoa, com quem ela constituiu uma empresa.
Dessa forma, o ex-marido argumentou que não teria mais obrigação de pagar a pensão voltada à sua antiga companheira. A pensão direcionada à filha não foi contestada.
Com base em fotografias, no contrato social da empresa construída pela mulher e em outros “elementos indicativos de convivência pública e contínua”, o juiz Vôlnei Silva Fraissat concluiu que ela, de fato, formou uma “nova entidade familiar”. Por isso, ele aplicou o artigo 1.708 do Código Civil.
O magistrado ressaltou que a medida é reversível e não causa prejuízo à mulher.
“Hoje, a pensão alimentícia para ex-cônjuge é exceção, não regra. Ela se justifica apenas em situações muito específicas e sempre vinculada às condições existentes no momento do acordo ou da sentença. Sempre que essas condições se alteram, a obrigação pode e deve ser revista”, afirma o advogado Fernando Felix, que atuou no caso.
Ano marcado por decisões de alto impacto, embates internacionais e desconfiança popular tem Moraes como símbolo
Por Débora Sobreira*
O ano de 2025 marcou uma virada definitiva na relação entre o Judiciário e a política brasileira. Em meio a decisões sensíveis, disputas institucionais e repercussões internacionais, o STF (Supremo Tribunal Federal) deixou de ocupar apenas o papel de árbitro constitucional para se consolidar como um dos principais protagonistas do debate público.
Esse movimento ganhou reconhecimento global com a inclusão do ministro Alexandre de Moraes na lista das 25 personalidades mais influentes do mundo publicada pelo jornal britânico Financial Times.
O magistrado aparece como o único brasileiro na edição de 2025 e integra a categoria “Heróis”, ao lado de outras seis personalidades. Trata-se do primeiro juiz da história do país a figurar na seleção.
Na descrição assinada pela historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, o ministro é apresentado como um símbolo da defesa democrática. “(...) Em 2025, Alexandre de Moraes se tornou um símbolo de democracia e justiça no Brasil. Junto aos seus colegas da Primeira Turma da Suprema Corte brasileira, ele se negou a apoiar a tentativa de golpe de Estado ocorrida em 8 de janeiro de 2023.”
Embora a tradição do Judiciário brasileiro privilegie a atuação colegiada e a imparcialidade institucional, o cenário político polarizado ampliou a visibilidade dos ministros.
Em 2025, essa exposição deixou de ser episódica e passou a definir a própria dinâmica da Suprema Corte, cuja atuação ultrapassou os limites do tribunal e passou a ocupar o centro do debate público.
Decisões internas, pressão externa

Ao longo do ano, o STF julgou temas de forte impacto social e político. Entre eles, a discussão sobre a proibição da linguagem neutra em Uberlândia (MG) e a ampliação da Lei Maria da Penha para incluir mulheres trans e casais homoafetivos formados por homens.
Paralelamente, a Corte passou a enfrentar pressões externas. Em fevereiro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) viajou aos Estados Unidos alegando buscar apoio contra ministros do Supremo, sob o argumento de perseguição judicial ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
O tema voltou à agenda em julho, após uma operação da Polícia Federal determinar o uso de tornozeleira eletrônica por Bolsonaro.
Na sequência, o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, anunciou a revogação dos vistos de oito ministros do STF e de seus familiares, citando diretamente Alexandre de Moraes.
“A caça às bruxas política do juiz do Supremo Tribunal Federal brasileiro Alexandre de Moraes contra Jair Bolsonaro criou um complexo de perseguição e censura tão abrangente que não apenas viola os direitos básicos dos brasileiros, mas também se estende para atingir os americanos”, afirmou Rubio.
Ficaram fora da medida os ministros André Mendonça, Nunes Marques e Luiz Fux. Mais tarde, Moraes passou a figurar entre os alvos da Lei Magnitsky, sob acusações de perseguição política e decisões arbitrárias.
O Supremo manteve o curso dos julgamentos. Um mês depois, Bolsonaro e aliados envolvidos na trama golpista receberam condenações e prisões.
O impasse começou a se desfazer após encontros diplomáticos entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump. Em dezembro, uma ligação telefônica entre os dois tratou de comércio e sanções.
Poucos dias depois, a Câmara aprovou um projeto que reduziu penas relacionadas aos atos de 8 de janeiro. Na sequência, os Estados Unidos anunciaram a retirada das sanções contra Moraes, sua mulher e sua empresa.
Ativismo judicial em debate
A centralidade do STF também alimentou críticas sobre suposto ativismo judicial. Pesquisa Datafolha feita em junho mostrou que 58% dos brasileiros declaram vergonha ou desconfiança em relação à Corte.
Para o cientista político Leandro Gabiati, o debate envolve diferentes interpretações sobre o papel do Judiciário.
“É possível entender essa postura como um ativismo proposital dos ministros em uma busca por tutelar o Estado, a política e a democracia; e também enxergar como uma participação que não parte propriamente dos ministros, mas sim como resultado de uma provocação que está inclusive prevista na Constituição.”
Já o advogado e cientista político Nauê Bernardo diferencia ativismo de judicialização da política, fenômeno mais recorrente no país.
“Ocorre que há grande confusão a respeito do que vem a ser uma judicialização necessária — por exemplo, diante da insuficiência de uma política pública ou de uma norma expressamente inconstitucional — e uma tentativa de criar embaraço judicial após uma derrota sofrida no Congresso, dentro de um rito regular.”
O cientista político Cláudio Couto observa que a desconfiança institucional não se restringe ao STF e começou em 2017. “É o ano pós-impeachment, com o governo Temer, altamente impopular. Isso gera um desalento das pessoas em relação ao próprio país, refletido na baixa confiança nas instituições.”
Um Judiciário permanentemente exposto
Pesquisas de opinião mostram oscilações na confiança ao longo da última década. Em 2017, menos de um quarto da população confiava no STF. Em 2021, esse índice subiu para 40%, em meio ao avanço da vacinação contra a Covid-19. Levantamentos mais recentes indicam estabilidade, mas aumento da percepção de parcialidade.
Pesquisa Atlas/Bloomberg apontou avaliação negativa de 54% quanto à imparcialidade do Supremo entre rivais políticos.
Para o advogado criminalista Luís Eduardo Colavolpe, a visibilidade atual do STF tornou-se inevitável. “Caminhar ao lado da agenda política do Brasil inevitavelmente coloca o Supremo Tribunal Federal cada vez mais nos holofotes.”
Na avaliação do jurista, a Operação Lava-Jato e, posteriormente, a atuação da Corte durante a pandemia marcaram pontos de inflexão nesse processo.
*Com supervisão de Leonardo Meireles.
Na história da instituição liquidada pelo Banco Central, Supremo escala mais um degrau heterodoxia
Por Fabiano Lana - Estadão conteúdo
Uma crítica recorrente direcionada ao Supremo Tribunal Federal (STF) desde a instauração dos chamados inquéritos das fake news, em 2019, é que a instituição havia se tornado vítima, investigadora, promotora e julgadora de uma mesma causa. As controvérsias seguem até hoje. Mas, no caso, era possível defender a utilidade do processo, por desbaratar uma tentativa de golpe de Estado comandada por Jair Bolsonaro, agora preso.
Houve reparação, entretanto, no sentido de o STF não poder se dar ao direito de passar por cima das leis para “salvar a democracia”, com direito a censuras, sigilos injustificados e outras medidas controversas. Logo, se a democracia de fato foi salva, teríamos chegado ao que se chama na filosofia de “aporia” - um conflito de ideias intransponíveis.
Ou seja, para fazer sobreviver o império das leis, foi necessário quebrar as leis. De qualquer maneira, mesmo com os suspeitos já condenados, o tal inquérito polêmico e controverso, presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, segue aberto como uma espada de Dâmocles.
No caso Master, banco liquidado pelo Banco Central, por suspeita de fraude bilionária, o Supremo escala mais um degrau de heterodoxia. É investigador, promotor, julgador e, infelizmente, até mesmo suspeito. O caso está com o ministro Dias Toffoli, em segredo de Justiça, por decisão do próprio – após uma estranha viagem de jatinho com um advogado de diretor do banco para uma partida de futebol do exterior.

Mulher do ministro do STF Alexandre de Moraes tinha contrato com o Banco Master Foto: Wilton Junior/Estadão
Mas, a não ser que os ministros tivessem investimentos milionários no banco, acima de R$ 250 mil, não se pode dizer que sejam vítimas – o que é uma diferença para o caso das fake news.
A situação, na verdade, é mais desafiadora. Não se sabe em que nível, mas o que temos agora é a revelação de que Alexandre de Moraes se beneficiava diretamente de um contrato do escritório de advocacia da esposa, Viviane Barci de Moraes, de R$ 3,6 milhões por mês, com o banco quebrado, sem que ainda saibamos qual seria o serviço prestado.
Ainda pesa contra o ministro Moraes a suspeita de ter pressionado autoridades públicas, entre elas o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, para que o banco fosse salvo, em uma operação que envolveria o banco BRB, do governo de Brasília.
A situação já estava em um constrangimento em grau máximo quando Dias Toffoli determinou a acareação entre o dono do banco Master, o ex-presidente do BRB e o diretor de fiscalização do Banco Central, em plena véspera de feriado do ano-novo! Seria demais achar que tudo isso, no final das contas, soa como coação? Ou é ir longe demais?
Álvaro Gribel, colunista do Estadão, revela que um dos objetivos de Toffoli é anular a liquidação do Master. Como temos uma militância cega e ideologicamente e capaz de tudo, esperem para ver uma turma a defender com ardor e agressividade um banqueiro acusado de crimes contra seus clientes.
Os militantes de esquerda, inclusive, têm achado tudo isso bastante normal e passaram a agredir qualquer um que divulgue esses fatos. Exigem provas, documentos, o fim do anonimato das fontes. Comparam com os excessos da Lava-Jato (que, ironicamente, se desmoralizou pelos abusos dos juízes e promotores e não com a divulgação dos crimes).
Uma questão histórica: o ex-presidente norte-americano Richard Nixon deve se lamentar no túmulo por renunciar à presidência após um escândalo divulgado por anônimos como fontes – o caso Watergate, como lembrou o jornalista Glenn Greenwald. É considerado o maior caso do jornalismo mundial e as acusações se revelaram verdadeiras anos depois.
Fabiano Lana é Jornalista e filosofo
Por Ana Moura
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou recomendação para que os tribunais brasileiros regulamentem a atuação de oficiais de justiça como incentivadores da conciliação ao cumprirem mandados judiciais. A partir da decisão, esses profissionais poderão informar as partes sobre a possibilidade de acordo e registrar propostas de autocomposição nos autos.
A orientação é uma resposta à Consulta 0003903-96.2025.2.00.0000, feita por associações e entidades de representação dos oficiais de justiça. O voto da relatora, conselheira Mônica Nobre, foi aprovado por maioria na 17ª Sessão Virtual de 2025, encerrada em 19 de dezembro.
O entendimento é de que os oficiais de justiça não podem atuar diretamente como conciliadores e mediadores, o que envolve realizar atos próprios de mediação ou negociação ativa ou conduzir reuniões, presenciais ou virtuais, com o objetivo de mediar o conflito. Conforme parecer técnico do Comitê Gestor de Conciliação, o marco legislativo atual não autoriza a atuação de servidores do Judiciário nessas funções, uma vez que poderia comprometer a imparcialidade e a confidencialidade do procedimento.
Porém, os oficiais de justiça podem estar engajados como incentivadores da autocomposição. Os procedimentos deverão ser claramente indicados pelos tribunais para que, no cumprimento de mandados, os oficiais de justiça possam certificar proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes nos autos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publicou nesta sexta-feira, 26, o Relatório especial sobre a situação da liberdade de expressão no Brasil. Embora afirme que o País possui “instituições democráticas fortes e eficazes”, o documento faz alertas sobre o uso de medidas de caráter excepcional pelo Poder Judiciário e seus possíveis efeitos sobre a liberdade de expressão
COM ESTADÃO CONTEÚDO
O relatório é resultado de uma visita que a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, da CIDH, fez ao Brasil em fevereiro de 2025, a convite do governo federal, no contexto da tentativa de golpe do 8 de janeiro.
Chefiada pelo relator especial Pedro Vaca Villarreal, a delegação percorreu Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo entre os dias 9 e 14 de fevereiro, ouvindo representantes de diferentes setores, entre eles, opositores do atual governo, parlamentares de todo o espectro político, defensores dos direitos humanos, organizações não governamentais e jornalistas.
Logo na introdução, o documento registra que as autoridades brasileiras, com o apoio de certos setores da sociedade civil, às vezes se mostram relutantes à autocrítica e a questionamentos da compatibilidade das restrições à liberdade de expressão com os padrões interamericanos:
“A defesa da democracia não pode ser alcançada por meio de restrições exageradas que equivalem à censura. Ao mesmo tempo, a liberdade de expressão não deve ser usada para minimizar o imperativo de que se alcance verdade, justiça e responsabilização pelas tentativas de alterar a ordem constitucional em 2023.”
Embora reconheça que o Supremo Tribunal Federal (STF) desempenhou um “papel fundamental” ao iniciar procedimentos para investigar os ataques às instituições, a CIDH demonstra preocupações de que essas medidas constituam uma concentração de poder.
“Há o risco de transformar uma solução temporária, destinada a ser excepcional, em um problema duradouro, ao criar precedentes que podem ser usados em benefício de regimes potencialmente autoritários no futuro”, afirma a delegação, para quem mitigar esse risco requer o reconhecimento de “quaisquer excessos na ação do Estado”.
O relatório observa que movimentos que contestavam os resultados eleitorais e as próprias instituições democráticas brasileiras exigiram do Poder Judiciário o uso de ferramentas consideradas “extraordinárias”, consideradas decisivas para preservar a institucionalidade. Mesmo assim, a CIDH insta todos os órgãos do Estado a garantir que essas iniciativas, seja para a defesa da democracia ou para qualquer outro objetivo legítimo, não se prolonguem para além do necessário.
O documento alerta que, embora a organização de crimes graves exija uma resposta do Estado, o Poder Judiciário deve ter cuidado para não expandir o escopo destas limitações extraordinárias a ponto de “sancionar opiniões políticas legítimas”.
“Nesse contexto, a Relatoria chama a atenção para os desafios de longa data do Brasil, em distintos órgãos do Poder Judiciário, no que diz respeito às restrições à expressão de pessoas defensoras de direitos humanos, jornalistas e ativistas políticas”, afirma o relatório. Segundo o texto, esses problemas são anteriores às investigações sobre a tentativa de golpe, e o Judiciário deve se esforçar para criar precedentes que diferenciem de forma clara condutas ilícitas de “críticas legítimas”.
Para a delegação, a gravidade dos eventos que ameaçaram a democracia brasileira nos últimos anos reforça a necessidade de que quaisquer restrições à liberdade de expressão “sejam mais, e não menos, compatíveis com os parâmetros internacionais de proteção e restrição da liberdade de expressão”.
Limitações ao uso de contas de redes sociais
O relatório menciona a existência de “intensos debates” em torno dos atrasos nos mecanismos de investigação, sem informações conclusivas sobre o seu encerramento, e defende que a celeridade dos processos é especialmente importante quando envolvem limitações cautelares ou interlocutórias à liberdade de expressão.
Como mostrou o Estadão, o inquérito das fake news, aberto para apurar ataques ao Supremo e a seus ministros, está prestes a completar sete anos e deve permanecer aberto por tempo indeterminado.
A CIDH também reforça que as autoridades brasileiras devem avaliar continuamente se as medidas cautelares que restringem a liberdade de expressão são indispensáveis para a preservação das investigações ou se essas limitações podem ser relaxadas. O relatório afirma que, embora o prolongamento das investigações e a adoção do sigilo podem ser legítimos e úteis, eles “também podem contribuir para a incerteza vivida no Brasil em relação aos mecanismos judiciais”.
Outro ponto de crítica foram as limitações ao uso de contas nas redes sociais, usadas como parte das medidas restritivas impostas de forma provisória em inquéritos, investigações e processos judiciais. Essas limitações incluem a remoção de publicações específicas, a remoção de contas, a proibição de divulgar publicações futuras potencialmente ilegais e a proibição da criação de novas contas.
Para a comissão, as autoridades estatais, especialmente o Poder Judiciário, devem se esforçar para notificar os usuários e as plataformas sobre as limitações impostas ao uso das redes sociais e outros canais de liberdade de expressão. Exceto em casos muito urgentes, explica o relatório, as plataformas e os usuários devem poder contestá-las antes que elas comecem a ser aplicadas.
“Embora circunstâncias excepcionais possam modificar essa notificação, ela deve, como regra geral, conter uma explicação da ordem adotada e da ilegalidade do conteúdo especificado.”