A demissão, a pedido, de Carlos Lupi do Ministério da Previdência Social vai muito além da responsabilização por falhas na gestão do INSS. Trata-se de um movimento político orquestrado, com claros objetivos eleitorais e estratégicos
Com Brasil 247
O bombardeio promovido pela imprensa corporativa, que hoje é um pilar central da oposição, tem como meta enfraquecer o projeto de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2026, fragilizar a aliança com o PDT e abrir caminho para o reposicionamento político de Ciro Gomes, com uma eventual candidatura alternativa de “centro-esquerda” no próximo ano.
Ainda que Lupi não figure como investigado na operação da Polícia Federal, a narrativa construída pelos grandes veículos de comunicação foi a de um escândalo irreparável e de uma demissão inevitável. Houve uma sincronia evidente entre editoriais, colunistas e comentaristas de grandes grupos de mídia, todos empenhados em criar um clima de condenação moral. Nesse contexto, a queda de Lupi deixou de ser um fato administrativo para se converter em um ato simbólico: o início de uma tentativa de reconfiguração da base aliada de Lula, com efeitos diretos sobre o cenário eleitoral de 2026.
A engenharia política por trás da crise foi revelada por um comentário do jornalista Octavio Guedes, da GloboNews. De acordo com ele, setores ligados a Ciro Gomes interpretam a demissão como uma “oportunidade” para o rompimento do PDT com o governo. Trata-se de uma sinalização clara: há, dentro do partido, forças interessadas em reposicionar Ciro como uma candidatura “alternativa” a Lula, ainda que a serviço de interesses historicamente ligados às elites econômicas.
Com a experiência de quatro disputas presidenciais e boa retórica, Ciro Gomes tentará se colocar como alternativa nacionalista, crítica ao sistema e talvez até “à esquerda” de Lula, que seria apresentado como um presidente “neoliberal" – o que já tem sido feito por vários críticos do governo Lula que se apresentam como comunicadores progressistas.
Num ambiente de guerra que já se desenha, nem todos saberão diferenciar se Ciro será mesmo uma alternativa de centro-esquerda ou apenas um instrumento útil para as classes dominantes que desejam fragmentar o campo progressista. Seu discurso moralista e agressivo contra o PT, não difere, em essência, das estratégias utilizadas por candidatos de direita.
Desde a redemocratização, Lula e Ciro foram os políticos que mais disputaram eleições presidenciais. Lula concorreu seis vezes e venceu três pleitos. Ciro jamais chegou ao segundo turno. Mesmo assim, pesquisas de vários institutos apontam que o pedetista ainda possui recall eleitoral relevante, ultrapassando dois dígitos no primeiro turno e “roubando” parte do eleitorado do presidente. Esse fator explica o esforço das elites para reabilitá-lo como possível antagonista de Lula em 2026. Não para elegê-lo propriamente, mas para atuar como linha auxiliar do verdadeiro projeto, que é a eleição de um candidato neoliberal, como o atual governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas.
Ciro, embora sem mandato, mantém uma presença constante nas redes sociais, em entrevistas e fóruns empresariais. Seu discurso é afinado com o de uma suposta terceira via – uma miragem que não se confirmou em 2022, mas que volta a ser trabalhada por setores que rejeitam tanto o bolsonarismo quanto o projeto popular do atual presidente. O reposicionamento de Ciro depende, no entanto, de um rompimento claro com o governo. E a queda de Lupi foi o primeiro passo dessa estratégia. O segundo começará a ser desenhado já nos próximos dias.
Do lado governista, a nomeação de Wolney Queiroz para o lugar de Lupi foi uma resposta imediata do Palácio do Planalto, com o objetivo de manter o PDT dentro da base aliada. Ainda assim, a crise interna no partido é profunda. Com apenas 17 deputados, a legenda encolheu na Câmara dos Deputados, corre o risco de não atingir a cláusula de barreira em 2026 e vê sua liderança nacional dividida entre setores governistas e grupos ligados a Ciro e outras lideranças da direita.
A saída de Lupi, portanto, cumpre uma função política estratégica. Ela deve ser compreendida como parte de uma movimentação estratégica que visa mais do que um rearranjo ministerial. Ela está inserida num projeto maior: desestabilizar o governo Lula, afastar o PDT da base e viabilizar uma candidatura que, embora travestida de oposição de centro-esquerda, serve aos interesses daqueles que sempre se opuseram aos avanços sociais conquistados desde 2003.
O jogo está em curso e a sorte foi lançada. A tentativa de dividir o campo progressista se intensifica. Resta saber se o PDT resistirá à tentação do rompimento ou se será cooptado por um projeto que, na prática, fortalece os adversários históricos do trabalhismo e da soberania popular.