Por Notas & Informações - Do Estadão conteúdo
A intimidação de jornalistas e veículos de comunicação, nas suas formas mais variadas, atende à estratégia de grupos políticos autoritários que querem se perpetuar no poder. Por atos e palavras, direta ou indiretamente, seus líderes estimulam esse tipo de comportamento, cuja finalidade é mais do que evidente: silenciar vozes e impedir que a sociedade tenha acesso a informações e opiniões contrárias aos interesses dos poderosos de plantão.
Não raro, a violência de discursos e gestos transborda do universo simbólico da política e se materializa na forma de agressões verbais e físicas. Ou, como ocorreu no último dia 10 de maio, na capital paulista, na tentativa de atropelamento, talvez assassinato, de duas profissionais da GloboNews em pleno momento de trabalho.
A repórter Paula Araújo e a repórter cinematográfica Patrícia Santos faziam uma transmissão ao vivo na Avenida Cupecê, na zona sul da capital paulista, quando um motorista parou seu carro ao lado delas e começou ameaçá-las e ofendê-las, criticando também a emissora. Não satisfeito, o homem jogou o veículo contra as profissionais, que estavam na calçada e conseguiram se safar ilesas. Por sorte, testemunhas chamaram a polícia, mas o criminoso conseguiu deixar o local.
Inaceitável sob qualquer ângulo, a tentativa de violência é reveladora da visão de mundo que a inspira. Tampouco pode passar despercebido que as duas profissionais atacadas eram mulheres – a misogonia parece ser um traço característico desses vândalos da democracia.
A mera presença de um jornalista por perto parece incitar a selvageria. Em maio de 2020, por exemplo, o repórter-fotográfico Dida Sampaio, do Estadão, foi atacado por enfurecidos militantes bolsonaristas em manifestação pró-governo diante do Palácio do Planalto. O que fazia Dida no momento? Apenas fotografava o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Por isso foi tratado como inimigo a ser abatido.
Em tempos de extremismos e polarizações, faz-se necessário lembrar que ataques contra a liberdade de imprensa não são novidade na cena política brasileira nem estão restritos a um campo ideológico. Jornalistas que têm como missão cobrir eventos do PT frequentemente são hostilizados, quando não agredidos. Em seu governo, o líder petista Lula da Silva defendeu o “controle social da mídia”, nome fantasia de seu projeto para manietar a imprensa. Continua adepto dessa tese, o que é motivo de preocupação para quem preza a liberdade de imprensa. Considerando que Bolsonaro, o segundo colocado nas pesquisas, pessoalmente já ameaçou “encher” um jornalista de “porrada”, motivos de preocupação não faltam.
O autoritarismo não tolera críticas nem sabe conviver com vozes dissidentes. À falta de argumentos, age para calar seus adversários, que encara como inimigos. Por isso mesmo, opõe-se à democracia. Não surpreende, então, que um de seus alvos constantes seja a imprensa, pilar das sociedades democráticas. No Brasil e em outras partes do mundo, não é de hoje, essa história se repete e deve ser permanentemente denunciada e combatida. Com a força da lei.
Bolsonaro avançou nas últimas pesquisas eleitorais enquanto ex-presidente se manteve estável. O que está por trás disso?
Por Nathalia Passarinho
Pesquisas de intenção de voto divulgadas nos últimos três meses mostram um avanço do presidente Jair Bolsonaro (PL) em intenções de voto e recuperação de popularidade, embora o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) continue na liderança e vença em todos os cenários para o segundo turno.
Em média, o percentual dos que avaliam positivamente o governo Bolsonaro subiu de 30% para 35% nos primeiros três meses deste ano. E nas pesquisas de intenção de voto, o presidente cresceu enquanto Lula se manteve estável.
Levantamento da XP/Ipespe, divulgado no dia 6 de abril, após o ex-juiz Sergio Moro trocar de partido e deixar a disputa para presidente, mostra Bolsonaro com 30% das intenções de voto, e Lula, com 44%. Na pesquisa anterior, do mesmo instituto, o presidente aparecia com 26%, e Lula, com os mesmos 44%.
Outra pesquisa, da Genial/Quaest, também divulgada em abril, mostra movimento semelhante. Bolsonaro aparece com 31% dos votos num cenário sem Moro, um avanço de cinco pontos percentuais em comparação com a pesquisa anterior. Lula se manteve estável, com 45%.
Levantamentos feitos antes da saída de Moro já indicavam uma recuperação de Bolsonaro. Na última pesquisa Datafolha, divulgada em 24 de março, Bolsonaro obteve 26% das intenções de voto, contra 43% de Lula. No levantamento anterior, de dezembro, o ex-presidente tinha entre 21% e 22% e Lula, entre 47% e 48%.
Com a melhora na popularidade, a consultoria internacional Eurasia calcula que Bolsonaro passou de uma chance de 20% de ganhar a eleição, para 25%. Mas o ex-presidente Lula segue na liderança e, conforme os cálculos da Eurasia, tem, neste momento, 70% de chance de vencer.
"A expectativa é que a disputa fique cada vez mais apertada conforme avança a campanha. Atualmente, as pesquisas mostram Lula vencendo Bolsonaro num segundo turno por uma diferença de 15 a 17 pontos percentuais. Essa margem deve diminuir para algo entre 5 e 10 pontos durante a campanha", calcula a consultoria, com base em metodologias da Ipsos Public Affairs, um dos maiores instituto de pesquisa de opinião do mundo.
Mas o que explica esse avanço de Bolsonaro nas pesquisas? Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil citaram três fatores determinantes para esse cenário:
Saída de Moro da disputa
Para o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest Pesquisa e Consultoria e professor de métodos quantitativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz que a saída do ex-juiz Sergio Moro (foto) da disputa foi o fator determinante para o crescimento de Bolsonaro nas pesquisas.
Depois de ser anunciado candidato pelo partido Podemos, Moro decidiu deixar a legenda e se filiar ao União Brasil (fusão do DEM com o PSL), dizendo que estaria desistindo "momentaneamente" da candidatura à Presidência. Mas, na semana passada o novo partido de Moro decidiu lançar como candidato o deputado federal Luciano Bivar (PE).
Com isso, ao que tudo indica, Moro, que aparecia em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, com cerca de 8%, não vai mais disputar a Presidência. Os dois levantamentos feitos após a desistência do ex-juiz da disputa indicam que Bolsonaro foi quem mais se beneficiou com isso.
"O eleitor que votou em Bolsonaro em 2018, mas estava insatisfeito com o governo, procurou uma terceira via, não encontrou e agora está voltando para Bolsonaro", disse Nunes à BBC News Brasil.
"Chamo isso de 'a volta dos que nunca foram'. São pessoas que tinham uma insatisfação momentânea, que rejeitam o PT, e que, diante da ausência de uma terceira via forte, voltam a considerar o voto em Bolsonaro."
Segundo Nunes, uma das pesquisas Genial/Qauest indicou que a maioria dos eleitores de Moro viam Bolsonaro como segunda alternativa, e vice-versa.
"Há dois meses ou três meses a gente fez uma pergunta que era: se o seu candidato não puder/quiser ser candidato em quem você votaria? O eleitor do Lula tem Ciro Gomes como segunda opção, enquanto o eleitor de Moro tem Bolsonaro como segunda opção", diz.
"A saída do Moro da disputa foi determinante para o crescimento de Bolsonaro."
'Pacote de bondades'
Já a cientista política Carolina de Paula, especialista em comportamento eleitoral, aponta o Auxílio Brasil e demais promessas ou benefícios concedidos por Bolsonaro a populações de baixa renda como fator determinante do crescimento dele nas pesquisas de opinião.
A pesquisadora, que é diretora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, lembra que é comum que candidatos a reeleição passem a conceder isenções ou benefícios sociais capazes de elevar a sua popularidade. Esse conjunto de medidas em ano eleitoral costuma ser chamado de "pacote de bondades".
No caso de Bolsonaro, três medidas do governo teriam contribuído especialmente para a melhora na sua avaliação. Segundo Carolina de Paula, a primeira foi a criação, no final do ano passado, do Auxílio Brasil, programa de transferência de renda que o governo instituiu para substituir o Bolsa Família e que paga cerca de R$ 400 por mês a cerca de 18 milhões de famílias. A criação do programa foi alvo de controvérsia, com muitos críticos afirmando que ele teria caráter eleitoreiro.
Outras medidas que podem ter rendido maior popularidade a Bolsonaro foram a autorização de saque de até R$ 1.000 do FGTS no final do ano passado e a antecipação do 13° salário dos aposentados.
"Quando você olha de fevereiro para cá, os dados realmente dão um salto. Um dos fatores concretos são algumas medidas que o governo colocou de pé, como o Auxílio Brasil, o saque do FGTS, a antecipação do 13° salário dos aposentados. Tem uma série de ações que o governo costuma fazer no último ano de mandato, que a gente chama de 'pacote de bondades' e que costuma render esse crescimento no início do ano eleitoral", diz Carolina de Paula.
A consultoria Eurasia Group também atribui a melhora na avaliação de Bolsonaro "à modesta recuperação do poder de renda" da população mais pobre nos primeiros meses deste ano devido a medidas pontuais.
"No segundo semestre de 2021, a renda real no Brasil caiu 11%, impulsionada por um aumento inflacionário maior do que o previsto, que atingiu duramente as famílias de baixa renda. Mas no início de 2022 essas famílias recuperaram parcialmente a renda perdida com o reajuste anual de 10% do salário mínimo nacional, 13º salário para aposentados e algumas medidas tomadas pelo governo - como o perdão da dívida estudantil e liberação de saques do FGTS", diz a consultoria.
Apesar dessa leve recuperação na renda, a situação econômica do país continua ruim, com alta nos preços dos alimentos e combustíveis. Em março, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, acelerou para 1,62%, a maior taxa em 28 anos. No acumulado de 12 meses, a inflação já chegou a 11,30%.
Segundo a Eurasia, a principal preocupação do eleitor nessas eleições será "renda e emprego", e Bolsonaro precisaria de avanços mais substanciais nos indicadores econômicos para continuar crescendo nas pesquisas.
"Para Bolsonaro continuar a se recuperar, a economia terá que superar as expectativas do mercado para esse ano", avalia a consultoria.
Fase melhor da pandemia
Apesar da gestão fortemente criticada de Bolsonaro na covid-19, fase atual da pandemia gera sensação de otimismo que pode afetar positivamente popularidade dele
Carolina de Paula cita ainda um terceiro fator que pode ter contribuído para a subida de Bolsonaro nas pesquisas: a atual fase da pandemia de covid-19. O Brasil é o segundo país com mais mortes pela covid, atrás dos Estados Unidos - foram mais de 662 mil óbitos. No pico da doença, o número de mortos pela doença num único dia chegou perto 4 mil. Atualmente, com o avanço da vacinação, esse número está abaixo de cem.
Embora Bolsonaro tenha minimizado a gravidade da pandemia, demorado a comprar vacinas, e se oposto ao uso de máscaras e a medidas de isolamento social, o atual estágio de maior controle das infecções gera um ambiente de "otimismo" entre parcela dos eleitores, o que acaba beneficiando o governante que está no poder, diz a pesquisadora da UERJ.
"O número não tão alto de mortes por covid e a liberação das máscaras geram um efeito, uma sensação de otimismo. Não acho que as pessoas esqueceram o que aconteceu, mas no estágio atual da pandemia, elas tentam ver o lado bom das coisas. A gente trabalha com pesquisa de opinião qualitativa e as pessoas falam muito disso, de uma sensação de otimismo."
Mas Carolina de Paula destaca que as pessoas "não esqueceram" o sofrimento e o elevado número de mortes por covid-19. "A pandemia acabou ficando em segundo plano com a visibilidade dada pela imprensa à guerra na Ucrânia. Mas não houve um esquecimento por parte da população. Essa memória ainda pode ser ativada. As campanhas eleitorais ainda não começaram oficialmente e esse tema vai ser explorado."
Por Marcos Mendes
As emendas parlamentares ao Orçamento da União cresceram e se tornaram, em sua maioria, despesas obrigatórias. Com valor total de R$ 36 bilhões, já representam 24% da soma de despesas discricionárias e emendas. A maior parte das emendas se refere a gastos de caráter local, focalizados em municípios ou Estados específicos, e atende interesses eleitorais ou pessoais específicos de cada parlamentar.
Analistas de finanças públicas apontam os valores e o modus operandi dessas emendas como uma distorção que implica queda na qualidade das políticas públicas, aumento da despesa, distorção do processo eleitoral e perda de governabilidade pelo Poder Executivo federal. A imprensa revela, dia após dia, novas modalidades de corrupção envolvendo essas verbas.
Por outro lado, os defensores do uso e da ampliação das emendas argumentam que esse tipo de procedimento é normal em sociedades democráticas e ocorre em outros países. Será que é verdade? Num estudo publicado pelo Instituto Millenium, comparo o processo orçamentário brasileiro com o de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da América Latina. Percebe-se que somos claramente um ponto fora da curva.
A OCDE dispõe de um banco de dados descritivo das práticas orçamentárias de seus países-membros. À pergunta “no último ano fiscal, qual foi o montante total de alterações feitas pelo Legislativo no orçamento apresentado pelo Executivo?”, a maioria dos países reportou valores que são inferiores a 0,01% da despesa primária discricionária. Entre os que têm maior intervenção aparecem Portugal, com 0,48%; EUA (2,4%); Eslováquia (5,5%); e Estônia (12,3%). Esses números não chegam perto dos 24% do Brasil.
Recentemente, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (Utao) da Assembleia da República de Portugal analisou o processo orçamentário daquele país. Apontou como problema de primeira ordem o grande número de emendas ao orçamento. Assim se expressa o relatório: “Haver centenas de Propostas de Alteração (PA) à POE (Proposta de Orçamento do Estado) para discutir e votar todos os anos num prazo curto é um problema sério e que se vem agudizando nos últimos anos. (...) As PA são entregues sem nenhum documento técnico de apoio. Isso significa que são ponderadas e votadas sem que se conheça a justificação técnica quanto à sua utilidade nem evidência quanto à sua exequibilidade ou capacidade de execução operacional pelos Serviços das AP (Administrações Públicas). Muito menos há informação técnica sobre as consequências financeiras para os contribuintes e sobre os resultados para os beneficiários e os prejudicados pelas medidas propostas. (...) Chegados a esta situação extrema, é tempo dos cidadãos e dos atores políticos se questionarem sobre a sanidade do processo. Não haverá uma maneira mais amiga da razão de deliberar sobre o Orçamento do Estado para o ano seguinte, e em respeito absoluto pela democracia?”.
Pois bem, se o problema é grave em Portugal, onde em 2021 foram submetidas 1.547 emendas e aprovadas 287, o que dizer do caso brasileiro, que teve 7.014 emendas apresentadas e 6.522 aprovadas em 2022?
Nos EUA há uma tradição de emendas similares às brasileiras, lá apelidadas de pork barrel projects, voltadas para investimentos feitos com recursos federais nas bases eleitorais dos congressistas. Uma organização não governamental voltada a fiscalizar e denunciar abusos nessas emendas (Citizens Against Government Waste – CAGW) dispõe de estatísticas sobre os valores envolvidos. Foram apenas 285 emendas em 2021 (menos de 5% das 6,5 mil emendas brasileiras), envolvendo recursos equivalentes a 2,3% das despesas primárias discricionárias, já excluídas aquelas com defesa nacional.
Para comparar com a situação brasileira, selecionei as emendas parlamentares mais parecidas com os pork barrel projects, que são aquelas voltadas para investimentos e que têm clara identificação do Estado ou município beneficiário. Esse subconjunto de emendas representa 12% da despesa discricionária. O nosso “pork” é 5 vezes maior que o dos EUA!
A OCDE também analisou o orçamento de países da América Latina. Uma das perguntas feitas aos países foi: “Em que nível de detalhe o Legislativo aprova as dotações orçamentárias?”. Como se sabe, os orçamentos públicos são divididos em vários níveis: há a despesa global, que se desdobra em despesas por programas, que são detalhados em ações específicas, e essas em itens específicos de gastos. Somente os Parlamentos do Brasil e do Chile têm o poder de alterar o orçamento no detalhe, mexendo em rubricas abaixo do nível de classificação por programa. Porém, no Chile, o Legislativo só pode reduzir despesa.
Portanto, nos países da América Latina para os quais há dados disponíveis, apenas no Brasil é dado ao Parlamento poder para alterar e aumentar detalhes das despesas. Fazendo-o sem uma noção de conjunto e sem obedecer a um planejamento das políticas públicas, as verbas são pulverizadas e desperdiçadas.
Não procede, portanto, o argumento de que o que se faz aqui é comum no resto do mundo. Distorcemos o Orçamento ao extremo, jogamos dinheiro fora e enfraquecemos a democracia.
* DOUTOR EM ECONOMIA, É PESQUISADOR ASSOCIADO DO INSPER
Por Cristovam Buarque*
Qualquer observador lúcido da política percebe a possibilidade de vitória eleitoral do atual presidente e tem consciência das consequências perigosas desta reeleição para o futuro. Desta vez a eleição não será apenas dele como pessoa física, mas dele como pessoa jurídica: propósitos e estilos de seu governo. Apesar disto, todos se comportam como os personagens teatrais: guiados por um roteiro que leva ao final trágico, que não se deseja.
Apesar de alertas do ex-presidente Lula, os militantes do PT passam a impressão de que a eleição está ganha, de que os erros, malfeitos e falta de bom senso do Bolsonaro são tão gritantes, que a maioria não votará nele. Esquecem que, de um lado, há dezenas de milhões que veem estes erros como acertos e por isto votam nele com convicção de que estão elegendo o melhor para o Brasil. De outro lado, há dezenas de milhões que rejeitam Bolsonaro, mas ainda preferem os erros dele aos erros do PT. O que o PT acha erro do Bolsonaro, os eleitores dele consideram acertos, e o que o PT vê como seus acertos, muitos veem como erros. Até mesmo o Lula, apesar de sua sensibilidade, algumas vezes fala tão para dentro de seu grupo, ao ponto de defender posições que alienam eleitores. O PT parece não entender que ninguém é eleito apenas com os votos de seus correligionários. A democracia exige ampliar apoio para além de suas fronteiras. Com um discurso fechado, dificilmente se ganha e se ganhar dificilmente governa um país com a complexidade de nosso Brasil.
Além do risco de reeleger o governo Bolsonaro por causa do “salto alto” e do isolamento do PT, os demais opositores ao Bolsonaro facilitam esta reeleição ao se deixarem guiar por um antipetismo que anula o antibolsonarismo. A soma destes dois comportamentos, pode induzir o voto nulo em uma quantidade que provoque um resultado que não se deseja. Ou dizem não desejar. Não têm vontade de reeleger Bolsonaro, mas não têm vontade de eleger o Lula.
Os discursos da chamada “terceira via” levam os eleitores que não desejam a continuação do Bolsonaro a não aceitarem a volta do Lula.
A própria “terceira via” é sobretudo um “terceiro muro” para barrar a eleição de Lula, construído com tijolos de antipetismo. O PT precisa reconhecer que estes tijolos estão entranhados no sentimento de dezenas de milhões de eleitores. Justo ou não, há um sentimento de que houve corrupção, aparelhamento, manipulação. Lula e o PT serão responsáveis pela derrota se não forem capazes de dissolver este sentimento dos eleitores, mas os demais líderes opositores ao Bolsonaro também serão responsáveis se continuarem deixando-se guiar pelo antipetismo e consolidando o “terceiro muro”.
Se as próximas pesquisas indicarem que os eleitores de Moro optaram por Bolsonaro, ficará claro que a “terceira via” pode ser mais bolsonarista do que lulista. Afinal, em 2018, seus atuais candidatos votaram no Bolsonaro ou se omitiram durante o processo eleitoral. Foi uma opção grave, porque se sabia quem era a pessoa física de Bolsonaro, agora seu governo tem alma, e ela está disputando continuar. Todos que desejam evitar esta tragédia, e dar os passos necessários à reunificação, recuperação e reconstrução do Brasil precisam derrubar impedir esta continuação. Para isto, o primeiro passo é derrubar o muro do antipetismo e construir uma estrada para o futuro, sem arrogância nem preconceitos, com discurso e comportamento de unidade pelo Brasil.
Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador*
Publicado em Notas&Informações do Jornal O Estado de São Paulo em 16/03/22
A cada nova eleição, mudam as circunstâncias políticas, mas a tática de Luiz Inácio Lula da Silva continua sendo a mesma de todas as disputas anteriores: esconder o PT do eleitor. A todo custo, deseja-se evitar que a população perceba a relação óbvia e inexorável entre a legenda e seus candidatos, como se o voto em um petista pudesse não significar apoio ao retorno do PT ao poder. O que é mais constrangedor – a revelar o alto teor tóxico da legenda, com seus múltiplos e indigestos escândalos – é que o próprio Lula, fundador e autocrata do PT, tenta esconder a legenda em sua campanha eleitoral.
Segundo relatou reportagem do Estadão, a ordem na campanha lulista para a Presidência da República é “investir na marca Lula, e não na imagem do PT”. Eis o instinto de sobrevivência política de Lula em funcionamento. Por mais que apareça em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, o líder petista tem consciência de sua fragilidade perante o histórico do PT. Não há espaço para ilusões ingênuas. A história da legenda é abundantemente conturbada para que alguém queira apresentá-la ou defendê-la na campanha. O atalho possível é tentar escondê-la.
Foi assim na campanha presidencial de 2018. O candidato Fernando Haddad – aquele que fez as vezes de Lula, então preso em Curitiba e inelegível por força da Lei da Ficha Limpa – tinha tanta vergonha do PT que não apenas escondeu o nome da legenda que o inventara como candidato a presidente da República, como ocultou, sempre que pôde, a cor vermelha do material de campanha eleitoral. Sem especiais pudores ideológicos e, principalmente, sem aquela relação de transparência que se espera que os candidatos tenham com o eleitor, Fernando Haddad trocou o vermelho petista por um comportado azul centrista. Mas, como se sabe, isso era apenas uma manobra para confundir o eleitorado. Fosse qual fosse a cor usada, Fernando Haddad era apenas e tão somente o poste lulopetista.
Nas eleições municipais de 2020, o PT usou a mesma tática, mas não teve jeito. Atento à filiação partidária dos candidatos, o eleitor deu à legenda petista um dos piores resultados eleitorais de sua história. No País inteiro, o PT conquistou apenas 182 prefeituras, ficando atrás, em número de prefeitos eleitos, de MDB (783 prefeitos), Progressistas (687 prefeitos), PSD (654 prefeitos), PSDB (521 prefeitos) e DEM (466 prefeitos). Esse é o apreço do eleitorado à agremiação que, sob a firme e incontestável liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, criou, entre outros feitos, o mensalão, o petrolão e a gestão Dilma Rousseff.
Agora, o líder petista recorre à mesma manobra, buscando que sua legenda não apareça no campo de visão do eleitor. A desfaçatez continua exatamente igual, apenas mudou a desculpa. Em 2022, Lula já não estaria interessado em apresentar-se como candidato de um partido à Presidência da República, e sim como – nada mais nada menos – a grande liderança de “um movimento para reconstruir a democracia”. Dessa forma, não seria necessário mencionar o PT na campanha.
Haja engodo. A vergonha de Lula de mostrar o PT ao eleitor é tratada como se fosse um gesto em defesa da democracia. Depois do embuste bolsonarista no governo federal, o País precisa de um mínimo de respeito com a população e com os próprios fatos. Não cabe negacionismo histórico. Não há PT sem Lula, como não há Lula sem PT.
A trajetória política de Lula é indissociável da história do PT. Os erros da legenda não são capítulos pretéritos que podem ser escondidos ou esquecidos. Lula tem muito a explicar ao País. Não basta dizer que suas ações penais prescreveram ou que a 13.ª Vara Federal de Curitiba era incompetente para julgar as denúncias contra ele. O PT tem um histórico de incompetência, irresponsabilidade, aparelhamento e corrupção a exigir esclarecimento.
Lula fala em democracia, mas usa táticas ilusionistas para evitar que o eleitor o responsabilize pelos escândalos de sua legenda. Democracia não é regime de esquecimento, e sim de memória e responsabilidade.