Em editorial jornal O GLOBO manifesta sua preocupação quanto a intromissão no trabalho de veículos de imprensa — mesmo quando ruim — configura censura indevida
Por Editorial O GLOBO
Está cada vez mais evidente que, no afã de combater a desinformação, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem cometendo exageros que configuram censura descabida a veículos de imprensa, proibida pela Constituição. Os casos de intromissão indevida no trabalho de jornalistas têm se acumulado ao longo dos últimos dias.
Na sexta-feira, a ministra Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro ordenou a remoção de um episódio do programa “Jovem Pan News” em que a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) respondia a perguntas levantando suspeitas de vínculo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel. Na quarta-feira, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino ordenou que uma rede social removesse uma nota do jornal Gazeta do Povo informando que o ditador nicaraguense Daniel Ortega bloqueara a transmissão em espanhol do canal americano CNN, sob o título “Ditadura apoiada por Lula tira sinal da CNN do ar”.
A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) acertaram ao condenar as decisões. A Abraji também criticou o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, por ter mandado retirar do ar no domingo do primeiro turno um artigo do site O Antagonista sugerindo que o líder da principal facção criminosa dos presídios brasileiros apoiava Lula.
Nenhum desses conteúdos está imune a críticas do ponto de vista editorial. As acusações da senadora tucana contra Lula carecem de provas. Não tem cabimento mencioná-lo numa notícia sobre a Nicarágua sem relação com o Brasil. E os diálogos apresentados não sustentavam o elo entre petistas e criminosos. Mas isso não significa que façam parte das campanhas de desinformação que o TSE deveria combater.
Não é papel da Corte julgar a qualidade dos veículos de imprensa, muito menos censurá-los preventivamente apenas por causa de um título malfeito, nem mesmo pela eventual publicação de informações erradas, que podem perfeitamente ser corrigidas. As partes que se sentirem ofendidas deveriam acionar a Justiça comum, onde os veículos têm o direito de se defender, caso já não tenham reparado o próprio erro. O inaceitável é confundir o trabalho jornalístico — mesmo ruim — com a desinformação deliberada que em geral emana das campanhas eleitorais.
No mês passado, o TSE acertou ao mandar a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, apagar seu post numa rede social acusando Bolsonaro de ser mandante da morte de um petista em Mato Grosso. Antes, ordenara a exclusão de conteúdos falsos do deputado federal André Janones (Avante-MG) fazendo uma conexão descabida entre Bolsonaro e a suspensão do piso salarial da enfermagem. A Corte também barrou inúmeros abusos bolsonaristas.
A eleição presidencial de 2018 provou que era necessária a ação do Judiciário contra a proliferação de fake news. Mentiras sempre foram usadas para conquistar votos, mas o advento das redes sociais tornou fácil e barato alcançar milhões de eleitores com conteúdos fraudulentos. Daí a necessidade de o TSE ser atento e ágil, sobretudo no que diz respeito aos aplicativos de mensagem, como WhatsApp ou Telegram. Mas é preciso não exagerar na dose. A Corte tem de tomar cuidado para não desrespeitar o direito constitucional mais essencial à democracia: a liberdade de expressão.
Publicado originalmente em O globo em 11/10/2022
Da coluna Notas & Informações - Folha de São Paulo
...Mais do que defesa da democracia, essa campanha de voto útil no primeiro turno é utilíssima aos interesses de Lula. É um modo de pedir voto – às vezes, de impor – sem dizer qual será o seu efetivo programa de governo, sem enfrentar temas difíceis como corrupção e aparelhamento partidário, sem se comprometer a não repetir os erros das gestões petistas passadas. Essa tática é ainda mais perversa quando tenta demonizar outros candidatos que estão fazendo precisamente o que é mais próprio de uma campanha eleitoral em um regime democrático: apresentar suas propostas para tentar convencer o eleitorado.
É cada vez mais evidente o clima de constrangimento a quem não adere ao lulismo no primeiro turno. Em vários setores da sociedade, há uma desqualificação de toda intenção de voto que não seja no candidato do PT, tratando-a não apenas como apoio à reeleição de Jair Bolsonaro, mas como uma explícita atitude antidemocrática. Perante essa pressão rigorosamente inconstitucional, é preciso lembrar alguns pontos básicos sobre liberdade política e regime democrático.
É plenamente legítimo advogar pelo chamado “voto útil” desde o primeiro turno. Faz parte da liberdade política a ponderação, a partir das informações trazidas pelas pesquisas de intenção de voto, entre os riscos e as oportunidades de cada escolha política. No entanto, não é legítimo – atenta contra a liberdade política – desqualificar o voto em candidatos mal posicionados nas pesquisas de opinião em razão de eventuais efeitos sobre a realização ou não de um segundo turno.
Diante de algumas manifestações mais recentes sobre um pretenso imperativo cívico de votar em Lula da Silva no primeiro turno, parece que o suprassumo da democracia seria a abdicação de todas as candidaturas à Presidência da República em favor do candidato petista. Ora, o regime democrático brasileiro é pluripartidário. Não há como qualificar de antidemocrático que um partido – ou um grupo deles – queira apresentar ao eleitorado uma proposta política específica, por mais minoritária que possa ser.
Além de ser pluripartidário, o regime democrático brasileiro prevê, nas eleições para presidente da República, governador e prefeito, a possibilidade de dois turnos, precisamente para assegurar a maior amplitude possível de liberdade política: que cada eleitor tenha a oportunidade, ao menos num primeiro momento, de escolher a candidatura que mais corresponde a seus anseios e suas preferências. De novo, não há nenhum problema que o eleitor, se assim o desejar, antecipe suas escolhas finais para o primeiro turno. O que não faz sentido é impor essa antecipação como uma obrigação moral.
Certamente, faz parte da liberdade política a avaliação sobre o presidente Jair Bolsonaro e seus devaneios autoritários. E muitos, no exercício dessa liberdade, podem concluir que, diante das ameaças e bravatas bolsonaristas, é mais seguro para o País que a eleição para presidente da República seja concluída num só turno. Mas há também muitos outros argumentos legítimos para defender a realização de dois turnos. Por exemplo, se a grande questão no momento é a defesa da democracia, pode-se entender que a melhor resposta é sempre mais democracia, mais liberdade política, mais envolvimento da sociedade, e não menos.
Aos que alegam a imensa excepcionalidade dos tempos atuais para defender o voto em Lula no primeiro turno, pois não seria prudente dar a Bolsonaro nenhuma chance de vitória, cabe fazer duas perguntas. Primeira: o PT defenderia o voto em algum candidato de outro partido que estivesse mais bem posicionado nas pesquisas? A julgar pelo histórico do partido, que jamais apoiou nada que não fosse petista, a resposta é não. Segunda: por que o PT, tão preocupado com as ameaças bolsonaristas à democracia, não trabalhou pelo impeachment de Bolsonaro? Ocasiões, motivos e clamor popular não faltaram. No entanto, Lula e o PT acharam que era preferível vencer Bolsonaro nas urnas. Ou seja, julgaram que manter Bolsonaro na Presidência poderia ser útil para alimentar a polarização que os petistas sabem explorar como ninguém.
...Mais do que defesa da democracia, essa campanha de voto útil no primeiro turno é utilíssima aos interesses de Lula. É um modo de pedir voto – às vezes, de impor – sem dizer qual será o seu efetivo programa de governo, sem enfrentar temas difíceis como corrupção e aparelhamento partidário, sem se comprometer a não repetir os erros das gestões petistas passadas. Essa tática é ainda mais perversa quando tenta demonizar outros candidatos que estão fazendo precisamente o que é mais próprio de uma campanha eleitoral em um regime democrático: apresentar suas propostas para tentar convencer o eleitorado.
Da coluna Notas&Informações - Editoriais e opinião do Jornal O Estado de S. Paulo
“O PT”, desabafou Lula da Silva à revista britânica The Economist, “está farto de pedir desculpas.” Talvez o tenha feito a portas fechadas, em absoluto sigilo, pois ninguém jamais viu um petista publicamente arrependido por ter participado de governos ineptos e corruptos. O PT, ao contrário, não se cansa de alardear a culpa alheia, mas os brasileiros se cansaram de esperar um mea culpa pelo mensalão, pelo petrolão ou pela recessão, que figuram com brilho entre os maiores casos de degradação moral e socioeconômica da República.
O PT jamais se desculpou por sua irresponsabilidade em relação a quase todos os principais temas políticos e econômicos do País. Por exemplo, veio de Lula da Silva, que hoje se apresenta como salvador da democracia, a ordem para que os constituintes petistas votassem contra a Constituição. Na lógica do quanto pior para o País, melhor para Lula, o PT bombardeou o Congresso com ineptos pedidos de impeachment contra Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso e sabotou do Plano Real à modernização da telefonia, passando pela criação das agências reguladoras e das regras de responsabilidade fiscal. No Planalto, perverteu o regime democrático distribuindo mesadas a deputados e capturando a estrutura do Estado para financiar sua máquina eleitoral.
Dos partidos de expressão, o PT é demonstravelmente o mais autocrático: ninguém duvida, a começar pelos petistas, que Lula manda e o partido obedece. Lula insulta a inteligência alheia ao tentar se desvencilhar da presidente Dilma Rousseff, como se a desastrosa política econômica de sua criatura já não existisse em potência no segundo mandato lulista. Três anos antes da primeira eleição de Dilma, por exemplo, Lula já preparava o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o pacote desenvolvimentista de injeção de anabolizantes na economia via bancos públicos que viria a se tornar uma das marcas do governo de sua sucessora. Comparada aos emergentes, a média do crescimento nas gestões petistas foi ainda mais medíocre que o já medíocre histórico nacional. A “aceleração do crescimento” ficou só no discurso, e o preço dessa patranha os brasileiros pagam até hoje.
Uma vez alijados do poder, os petistas correram o mundo desmoralizando o Estado de Direito brasileiro. A narrativa se mantém até hoje: Dilma Rousseff, por exemplo, foi vítima de um “golpe” do Congresso, e o Judiciário “perseguiu” Lula conspirando com as “elites”.
O PT não se desculpou pelo incentivo à cizânia política – o “nós” contra “eles” – que gestou o bolsonarismo, tampouco pelo apoio a ditaduras de esquerda latino-americanas, pela tolerância com o corporativismo e o patrimonialismo, pelas campanhas de desinformação e difamação de adversários. Lula não pediu desculpas nem sequer por ultrajes que – pelo benefício da dúvida – poderiam ser tributados à sua juventude, como quando, na flor dos seus 34 anos, expressou admiração por tiranos como Mao Tsé-tung, o aiatolá Khomeini e Hitler – que, nas palavras de Lula, “tinha aquilo que eu admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer”.
Cansado da farsa, o povo foi tomado irresistivelmente pelo sentimento antipetista, consubstanciado nas multitudinárias passeatas pelo impeachment de Dilma, em 2016, e em 2018 e elegeu o antípoda Jair Bolsonaro – cujo grande feito, em razão de sua truculência e de seu calamitoso governo, foi ter feito uma parte significativa do eleitorado sentir saudades de Lula da Silva. Mas nada mudou: como mostra a entrevista do demiurgo de Garanhuns à Economist, não há razão para acreditar que Lula da Silva tenha a intenção de demonstrar contrição pelos inúmeros erros e desvios que ele e seus companheiros cometeram. Afinal, por que aquele que não se considera um ser humano, mas uma “ideia”, que não se cansa de dizer que é a “alma mais honesta” do País, que diz ter sido o “melhor presidente da história do Brasil”, que frequentemente se compara a ninguém menos que Jesus Cristo e que se oferece como a encarnação do próprio povo se desculparia pelo que quer que seja?
OPINIÃO
Por David Hertz - UOL
Menos de dois anos de pandemia fizeram o Brasil retroceder três décadas em termos de segurança alimentar. No fim de 2020, 19,1 milhões de pessoas conviviam com a fome no país. Em 2022, são 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer, como mostra a atualização dos dados do Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN). Enquanto a fome cresce de forma exponencial e o país volta aos patamares da década de 1990, a força solidária que se formou na pandemia perde força e vemos o tema sair da agenda das grandes empresas.
Historicamente, a prática da doação tem no Brasil uma dimensão muito menor do que poderia, especialmente quando comparada a outros países. A covid-19, porém, ajudou a garantir um impulso significativo de recursos destinados à filantropia. Segundo o Gife (Grupo de Institutos Fundações e Empresas), as doações somavam R$ 3,25 bilhões em 2018, número que saltou para R$ 6,9 bilhões do início da pandemia até abril deste ano. Desse total, no entanto, boa parte (R$ 5,5 bilhões) se concentrou entre março e maio de 2020 — os meses iniciais da pandemia.
Foi essa força solidária trazida pela pandemia que permitiu que a Gastromotiva, organização social da qual faço parte e que atua no combate à fome e a insegurança alimentar, se reinventasse e lançasse em março de 2020, como resposta aos impactos socioeconômicos da covid-19, o programa Cozinhas Solidárias, que implanta cozinhas comunitárias para distribuição de quentinhas lideradas por microempreendedores, cozinheiros, lideranças locais, organizações e coletivos. É o tipo de ação que a gente concebe, implementa e se emociona, mas no fundo gostaria de vê-lo com prazo para acabar.
Há meses ouço, não sem preocupação, muitos representantes de empresas dizerem que a fome saiu do radar principal dos projetos de ESG. Projetos relacionados ao combate à fome não estariam mais entre as prioridades nos orçamentos de impacto social das empresas — habitualmente parceiras das Cozinhas Solidárias, uma entre tantas outras iniciativas que, graças ao apoio filantrópico, espalhou-se por estados como Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Amazonas para atender diretamente à população em situação de insegurança alimentar. Com uma unidade também na Cidade do México, o projeto oferece mensalmente cerca de 120 mil refeições nutritivas e garantiu, ao longo desse período, refeições para 2 milhões de pessoas, plantando sementes sustentáveis como solução de negócios para essas comunidades.
Porém, com a queda de 60% das doações em relação ao início do programa, será necessário reduzir à metade o apoio às 80 Cozinhas Solidárias até o fim de junho. Teremos recursos para manter 40 cozinhas funcionando até o fim do ano (27 delas com apoio de patrocinadores e 13 com apoio da Gastromotiva). Todo dia chegam até nós novos coletivos e organizações querendo aprender sobre como implementar uma cozinha.
E para quem acha que lidamos como um problema em queda, a ponto de justificar a saída do mapa dos financiamentos e apoios solidários, basta olhar para a fome ao nosso redor (e os números).
Esses novos dados trazidos pela Rede PENSSAN são um alerta e um clamor. Não podemos descansar diante desses números, tampouco acreditar que podemos construir um país civilizado enquanto assistimos, inertes, ao crescimento desses indicadores. Precisamos, ao contrário, de mais velocidade, intensidade e amplitude no desenvolvimento e apoio a projetos capazes de enfrentar o problema - de políticas públicas de combate a desigualdades a iniciativas mobilizadoras de organizações da sociedade civil.
Se permitirmos esfriar o calor da solidariedade, deixamos morrer um tanto da capacidade do país de lidar com nossos problemas mais urgentes e sonhar com aspirações mais elevadas de bem-estar, riqueza e oportunidade. Que o digam nossos cozinheiros solidários, as comunidades que atendem e, sobretudo, as pessoas que aguardarão a senha na próxima fila, à espera de uma comida nutritiva e salvadora.
Por Luiz Vassallo e Beatriz Bulla
Especialistas em direito, ética e ciência política classificaram a declaração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – que sugeriu que sindicalistas mapeiem o endereço de parlamentares para “incomodar a tranquilidade” deles e conversar com seus familiares – como “populista e “inconsequente”. No entanto, do ponto de vista do direito, a avaliação é que não houve crime na declaração do petista.
O desembargador aposentado Walter Maierovitch não vê atuação de "dolo, com intenção de causar assédio ou importunação", na fala de Lula, mas diz que o ex-presidente esqueceu uma passagem da história. “O legado do direito constitucional inglês. Me refiro ao princípio 'minha casa, meu reino' (my house, my kingdom). Daí a proteção ao domicílio, E não caber importunações. Para tudo”, afirmou.
O cientista político e professor do Insper Carlos Melo afirmou que há “um certo grau de demagogia” e que o petista falou de forma “inconsequente”. No entanto, pondera que o discurso foi para um “público muito específico”.
“Certamente é um tipo de prática que não aconteceria em um governo do Lula porque não faz sentido. É descabível as pessoas procurarem os deputados nas suas casas”, disse.
O professor de Ética e jornalista Carlos Alberto Di Franco afirmou que se trata de “uma declaração irresponsável, imprópria de quem disputa uma eleição, um incitamento perigoso e claramente desrespeitoso com as famílias”.
Além da reação de parlamentares bolsonaristas, a declaração de Lula também gerou críticas contundentes entre parlamentares não alinhados com o governo federal. O deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS) chamou de “criminosa” a declaração de Lula. Ele cobrou reação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o episódio. “Também me questiono se, nesse caso, o ministro Alexandre de Moraes pedirá a prisão do ex-presidiário Lula por essa ameaça ao Parlamento”, afirmou.
Presidente do Cidadania, Roberto Freire classificou a sugestão do ex-presidente da República como “absurda” e “fascista”. “Declaração absurda essa de Lula mandar militantes pressionarem famílias de deputados que por acaso não sejam do seu agrado. Atitude fascista inadmissível numa democracia”, publicou Freire nas redes sociais.