Alta de IOF atraiu crítica do BC e surpreendeu membros do governo antes de recuo por pressão do mercado

Posted On Sexta, 23 Mai 2025 14:36
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Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pegou parte de sua própria equipe econômica desprevenida e atraiu críticas do Banco Central com a decisão anunciada na quinta-feira de aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em várias transações cambiais como parte de um esforço mais amplo de aumento de arrecadação, disseram três fontes do governo à Reuters

 

 

Por Marcela Ayres e Bernardo Caram

 

 

Diante da repercussão negativa e de forte pressão do mercado sobre a equipe econômica, que, de acordo com uma quarta fonte, recebeu relatos sobre riscos de fuga de capitais do país, o governo recuou de parte das medidas poucas horas após o anúncio inicial, especificamente as que envolviam elevação de encargos para investimentos no exterior.

 

“Os dois pontos que foram alterados foram muito mal recebidos e com indicativo de fuga de capital do Brasil. A reação foi tão ruim que o governo decidiu recuar”, disse a fonte.

 

O BC não apoiou as medidas inicialmente apresentadas, que revertem iniciativas adotadas em anos anteriores para simplificar a tributação relacionada à moeda em busca da adesão à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), disseram duas das fontes.

 

“É uma involução na internacionalização da economia brasileira”, disse uma delas na noite de quinta, pedindo anonimato devido à sensibilidade do assunto.

Essa fonte acrescentou que o Ministério da Fazenda não havia discutido amplamente as mudanças com outras pastas importantes envolvidas nas negociações orçamentárias.

 

Outro membro do governo relatou que, após o anúncio inicial, o presidente Lula ouviu na noite de quinta-feira queixas sobre as medidas em reunião, já previamente marcada, com os ministros das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, Rui Costa, e da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que já havia viajado a São Paulo, não participou do encontro.

 

Uma sexta fonte do governo disse, entretanto, que a decisão de recuar foi tomada diretamente por Haddad antes de qualquer pedido de Lula. O ministro disse, em entrevista coletiva nesta manhã em São Paulo, ter ouvido sugestões do mercado, com a fonte argumentando que o procedimento não passou pelo Banco Central e “não teve ingerência política”.

Haddad, que havia dito em julho de 2024 e reafirmado em janeiro deste ano que o governo não alteraria o IOF sobre transações cambiais, reconheceu na quinta-feira em um post no X que nenhuma das novas medidas foi coordenada com o BC.

 

A autoridade monetária, que conduz uma campanha agressiva de aperto monetário para conter a inflação, sinalizou recentemente efeitos já visíveis das altas taxas de juros sobre os mercados de crédito e a moeda do país.

 

O real brasileiro se fortaleceu cerca de 8% em relação ao dólar americano este ano, em parte impulsionado pelo fluxo de dólares com operações de carry trade, em que os investidores tomam empréstimo em moedas que têm taxas de juros baixas para investir em moedas de maior rendimento.

 

O anúncio do governo gerou uma expectativa de que as novas regras desestimulem essas operações para os investidores brasileiros. Em uma delas, o governo padronizou o IOF em 3,5% em várias frentes, incluindo empréstimos externos de curto prazo anteriormente isentos. Essa regra foi mantida após o ajuste na medida.

 

Mesmo após a reversão parcial das iniciativas para o IOF, o dólar operava em alta nesta manhã, com operadores criticando a comunicação da medida na véspera, em meio a alívio com a volta atrás da taxação sobre parte das operações.

 

RECUOS

 

Um dos recuos diz respeito à elevação de alíquota de 1,1% para 3,5% em remessas de recursos para conta de contribuinte brasileiro no exterior. Segundo a Fazenda, foi incluído no decreto o esclarecimento de que remessas destinadas a investimentos continuarão sujeitas à alíquota 1,1%.

 

Na segunda mudança, em transferências relativas a aplicações de fundos brasileiros no exterior, o IOF passaria de zero para 3,5%, pela norma de quinta-feira. Com o novo decreto, será retomada a alíquota zero.

 

“Recuo correto para o mercado financeiro. Agora, para as empresas fica o aumento de impostos”, disse o ex-diretor do Banco Central e economista Tony Volpon no X, em referência à elevação de IOF para operações de crédito de pessoas jurídicas, alta que foi mantida.

 

Antes do recuo, Volpon havia classificado as medidas do governo como “o início do fechamento da conta de capital, equivale a controles de capital”.

 

Em outras mudanças também mantidas, transações que já eram tributadas, mas com alíquotas mais baixas, agora terão de pagar 3,5%. Isso inclui compras de moeda estrangeira em espécie (anteriormente tributadas em 1,1%), bem como o uso de cartões internacionais de crédito, débito e pré-pagos (que estavam em 3,38% e que cairiam gradualmente até zero).

 

As transações de câmbio não especificadas, anteriormente tributadas em 0,38%, agora incorrerão no valor total de 3,5% quando os recursos saírem do país.

 

O governo disse que as operações de câmbio relacionadas a importações e exportações, entradas e repatriação de fundos de investidores estrangeiros, remessas de dividendos, doações ambientais internacionais e missões diplomáticas, entre outras, permanecerão isentas.

 

Uma fonte do governo observou que a Receita Federal nunca havia abraçado totalmente uma decisão de 2022 do governo do então presidente Jair Bolsonaro de eliminar gradualmente o IOF sobre operações cambiais, visando à revogação total até 2029. Para os cartões de crédito internacionais, a previsão era que o imposto seria eliminado até 2028.

 

Na época, o governo argumentou que a OCDE considerava que o IOF impunha uma forma de “regime cambial múltiplo”, discriminando efetivamente os agentes econômicos. Sua eliminação era um requisito para a adesão do Brasil à OCDE.

 

Em coletiva de imprensa na quinta-feira, o secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, reconheceu que a medida do governo efetivamente interrompe a eliminação gradual do imposto que era prevista para os próximos anos.

 

Em outra frente, o recuo em parte do pacote ainda gera uma redução na previsão de arrecadação do governo em cerca de R$6 bilhões até 2026.

 

Segundo uma fonte do Ministério do Planejamento e Orçamento, a Fazenda não fez consultas sobre as medidas em nenhum momento. Ela se queixou de que "como sempre" o problema vai sobrar para a pasta responsável pelo Orçamento, já que a conta não vai fechar do lado fiscal.

 

(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu)

 

 

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