Âncora comenta relação do presidente com a imprensa, ataques a Bonner, fama de ‘direitista’ e pressão do PT
Por Jeff Benício
Boris Casoy é sinônimo de jornalismo e coragem para opinar (e desagradar). Seu bordão "Isso é uma vergonha" - criado quando era âncora do 'TJ Brasil', no SBT, na década de 1980 - continua insuperável e mais oportuno do que nunca.
Isolado em sua casa desde o início da pandemia, o jornalista faz de seu escritório-biblioteca o estúdio onde grava o 'Jornal do Boris', transmitido no YouTube e na TV Gazeta de São Paulo, de segunda a sexta, às 8h45.
Com a experiência de quem dirigiu redações, comandou bancadas de telejornais e mediou debates, o veterano comenta a tumultuada relação de Jair Bolsonaro com a mídia e conta uma situação tensa com o então candidato à Presidência nos bastidores da RedeTV, em agosto de 2018.
Ao longo de sua carreira jornalística, o senhor viu outro presidente com relação tão complicada com a imprensa como Bolsonaro?
A relação tensa do presidente Bolsonaro com a imprensa tem sido mais visível do que em outros governos. O presidente tem mostrado gostar do confronto e ele o faz publicamente. Lembra repentes de Jânio Quadros. Na maioria dos governos, as pressões e tensões acontecem nos bastidores. Cito, como exemplo, o governo Lula, que agia por interpostas pessoas. Eu mesmo vivi um episódio desses com corte na publicidade da Rede Record. Esses momentos foram mais acentuados nos casos do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, e do Banestado. O PT pressionava para que esses assuntos fossem encerrados. Não se pode esquecer dos governos militares, quando o Estado de Direito está suspenso. Destaco que, no meu caso, Sarney, Collor, Fernando Henrique e Temer sempre agiram de maneira republicana.
Qual a sua opinião sobre os ataques, xingamentos e até palavras de baixo calão usadas pelo presidente contra jornalistas?
Reprovo com veemência. Cabe aos governantes conter seus impulsos. A chamada liturgia do cargo não admite esse tipo de comportamento. Sei que isso é difícil para uma pessoa impulsiva como Bolsonaro, mas ele precisa se esforçar para conter seus impulsos. O governante não pode agir com o fígado.
Os ataques frequentes de Bolsonaro, com ampla repercussão na imprensa e nas redes sociais, enfraquecem ou fortalecem o jornalismo profissional?
Nem enfraquecem, nem fortalecem. A maior parte da imprensa tem apenas relatado os fatos e investigado o que precisa ser investigado. Fazer oposição não é brigar com a notícia. Omitir os fatos é uma traição ao leitor, ouvinte, telespectador ou internauta. É preciso separar propaganda de notícia.
Bolsonaro se diz perseguido pelo Grupo Globo e, especialmente, pelo 'Jornal Nacional' e seu âncora e editor-chefe, William Bonner. O senhor enxerga veracidade nessa acusação?
Não me sinto no direito de julgar o Grupo Globo. O presidente insiste em colocar em xeque a sobrevivência da Globo. Não tenho condições de dizer o que se passa na cabeça do presidente, como ele encara o noticiário dos órgãos das Organizações Globo. Acredito que se sinta injustiçado, mas ele contribui decisivamente com a oposição ao governo. Acusar o Bonner de perseguição demonstra um desconhecimento de como funciona uma empresa de comunicação. Bonner é um excelente profissional, com uma história que mostra toda a sua correção e honestidade.
O senhor sofreu pressão ou intimidação direta de autoridades? Algum presidente chegou a reclamar de seus comentários críticos?
Tenho mais de 60 anos de carreira. Fui editor-chefe da 'Folha' em momentos difíceis do regime militar, perdi a conta das ameaças, mas me orgulho em dizer que em lugar de medo, me deram mais coragem.
Em evidência novamente, o ex-presidente Lula sempre defendeu a regulação dos meios de comunicação. O senhor enxerga esse projeto como positivo ou um risco à liberdade de imprensa com a possível interferência do Estado nas empresas do setor?
Ele chegou a elaborar um projeto sobre o assunto. Chamava essa 'merda' democratização da comunicação. Era uma velha ideia do stalinismo, cuja prática visava estabelecer a censura e intimidar a imprensa. Não se trata de maldade, o PT acredita que esse tipo de 'disciplina' faz bem ao Brasil.
Nos Estados Unidos, as principais redes de TV assumem posição ideológica e partidária, inclusive na campanha presidencial. O senhor acha isso positivo ou vai contra a imparcialidade e isenção imprescindíveis ao jornalismo?
É uma questão cultural. Acho legítimo que isso aconteça, sem amordaçar o adversário. Apenas, opinião não pode nem deve ser confundida com cobertura dos fatos.
No Brasil, a maior parte da imprensa é identificada como defensora da esquerda. O senhor já disse que 'ser liberal ou de direita é quase um crime' no País. A imprensa está contaminada pela militância política?
Já esteve mais. O socialismo era uma promessa que entusiasmou grande parte da intelectualidade, especialmente a juventude. A queda do Muro de Berlim, o fim da União Soviética e todas as suas consequências mostraram a verdade a muita gente, especialmente aos mais jovens. Acho que o debate deve ser estimulado. Mas há uma esquerda saudosista no País que, por exemplo, continua repetindo que a guerrilha no Brasil lutou pela democracia. Lutava sim, por um regime comunista e começou ainda no governo Jango. Isso não justifica a tortura. Aliás, acho que se a anistia fosse revogada, os dois lados precisariam ser julgados.
Nos Estados Unidos, há várias emissoras declaradamente de direita, como a Fox News. O senhor vê Record, RedeTV e SBT, onde trabalhou, como canais direitistas?
Trabalhei com absoluta liberdade em todos os canais. Procurei dar voz e dei a todas as tendências ideológicas, nunca houve restrição. Quando ameaçou haver, estrilei. As redações que dirigi nunca sofreram filtros ideológicos. Mesmo assim, sou visto como um direitista empedernido, caluniado, como se a esquerda tivesse a patente da bondade e democracia.
O senhor foi mediador de vários debates importantes em eleições à Presidência. Cite um momento especial desse tipo de evento na TV.
Dois momentos: quando Lula recusou cumprimentar Collor, ao contrário do que tinha sido combinado, e a ameaça em cima da hora de Bolsonaro de não participar do debate na RedeTV. Ele já estava no camarim e queria impor sua vontade na questão da cadeira vazia para Lula.
O que acha da relutância de Bolsonaro em liderar a campanha de imunização no País?
Ele tem sujas posições. Aparentemente, está caminhando em direção às recomendações da maioria absoluta dos cientistas. Espero que ele seja iluminado e torço para que Bolsonaro faça um bom governo. Sou contra o 'quanto pior melhor'. Se ele afundar, afundamos junto.
O senhor completou 80 anos em fevereiro. Há algo que ainda pretenda fazer no jornalismo?
Atravesso um período de pleno vigor físico e, ao que parece, mental. Estou vivendo uma experiência na internet com o ‘Jornal do Boris’, também transmitido pela TV Gazeta. Assim completo um ciclo do qual me orgulho: fiz rádio, TV, imprensa escrita e agora internet. E estou pronto para novas viagens.
Em entrevista ao iG, o pesquisador dá seu ponto de vista sobre a relação entre o presidente Jair Bolsonaro e o alto comando militar
Por Carlos Eduardo Vasconcellos
Para o antropólogo Piero Leirner , pesquisador das Forças Armadas desde o início da década de 1990 e professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), a ascensão de Bolsonaro à presidência não foi mero acidente, mas construída dentro do alto comando militar desde 2014.
Em entrevista exclusiva ao iG, o autor do livro " O Brasil no espectro de uma guerra híbrida - Militares, operações psicológicas e política em uma perspectiva etnográfica" diz que até mesmo as falas controversas de Bolsonaro e os ataques às instituições democráticas fazem parte de um "roteiro", no qual Bolsonaro fora pensado para gerar discórdia e fazer com que os militares figurem como a ala "moderada" do governo. Confira abaixo os melhores momentos da entrevista.
Em dois anos e meio de governo Bolsonaro, são pelo menos 6 mil militares em funções civis no governo federal. Dá para dissociar o governo Bolsonaro de um governo militar?
De todo modo, o problema aqui, me parece, vai bem além dos cargos. O que me interessa é qual projeto está por trás deste aparelhamento. Minha hipótese é que se trata de um movimento de transformação do Estado de modo a centralizar a política nos militares, então vai além de um governo no sentido transitório.
Se você quiser usar uma metáfora, é um sistema operacional (por exemplo o Windows) rodando em 'modo de segurança', sendo o administrador do sistema — aquele que diz o que pode e o que não pode rodar, ou aparecer na interface — é o militar, e não o presidente.
Com uma série de decretos que estão sendo implementados desde o fim de 2018 e projetos de lei que estão tramitando, o desenho institucional aponta essa administração para as gavetas do GSI (Gabinete de Segurança Internacional).
A partir disso, desce para os ministérios e o que era uma política passa a ser informação, comando e controle . Isso às vezes escapa dessa forma, às vezes vem 'paisanizado', na forma de uma gestão militar. Assim, por exemplo, o controle das burocracias que mapeiam, geram uma cadeia de informações e direcionam o fluxo de dinheiro passa a ser monitorado, controlado e comandado por militares.
Bolsonaro, em certo sentido, é uma peça funcional desse maquinário. Mas qual é a sua função exatamente? É dar uma 'cara' ao governo, isto é, manter a aparência de que tudo é consequência das eleições. A partir disso, o governo Bolsonaro estampa seu rótulo em tudo, e essa engrenagem fica camuflada.
Desse modo ele é um agente ideológico terceirizado para dar a sensação que isto que estamos vivendo é um governo (ou desgoverno, dependendo do ponto de vista), e não um sistema de comando, controle e informações militar.
Você diz que Bolsonaro é um 'projeto de generais'. As Forças Armadas 'embarcaram' na candidatura de Bolsonaro ou construíram essa candidatura de maneira ativa? E em que momento isso começou a ser arquitetado?
Foi construída. Esta pretensão à Presidência nasce publicamente dentro de uma
instalação militar em novembro de 2014: na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), quando ele é conduzido para discursar para cadetes e assume que, com o apoio dos militares, vai chegar à Presidência em 2018. Qualquer um com o mínimo de conhecimento do mundo militar sabe muito bem que não existe espaço para improvisos dentro de um quartel.
O que ele fez lá naquele dia teve o aval da cadeia de comando. Com o detalhe que isto é completamente ilegal, e centenas de vezes mais grave do que o que ocorreu com Pazuello .
Deveriam ser punidos os cadetes, seus comandantes, o comandante da Aman, e no mínimo exonerados o General responsável pelo Departamento de Educação e Cultura do Exército e o Comandante da Força.
Mas o que aconteceu? Ele repetiu a dose em 2015, 2016, 2017 e 2018. Eninguém falou nada. Tendo isto na cabeça fica mais fácil perceber a natureza dessa ligação, e a partir daí perceber como toda contradição entre Bolsonaro e as Forças Armadas é uma emulação, um “teatro de operações” , para usar a linguagem deles.
Muito se fala em 'desconforto' entre militares e Bolsonaro, mas ele segue fazendo política da mesma forma — atacando as instituições democráticas. O vice-presidente Hamilton Mourão constantemente discorda publicamente de Bolsonaro. Essas 'divergências' seriam uma forma de os militares mostrarem moderação?
O primeiro problema, que devemos nos perguntar antes de tudo, é quem exatamente está falando desse desconforto? De um lado podemos listar generais que estavam emaranhados nesse projeto desde que começou (veja a resposta anterior: alguém se manifestou sobre os ocorridos entre 2014 e 2018?), e que se tornaram 'dissidências' por romperem com Bolsonaro.
Mas a pergunta é: romperam também com o projeto que o levou lá? De modo algum. Tanto é que não esboçam uma palavra sequer a respeito. Não dizem, da boca deles, como isso foi construído.
É preciso entender uma coisa, e o livro de entrevista do general Villas Bôas a Celso Castro deixa isso bem claro: em primeiríssimo lugar está a camaradagem entre eles próprios. E em último o universo “paisano”, isso que nós chamamos de sociedade e que eles entendem como um fator secundário no Brasil.
Então discordar de Bolsonaro é parte do roteiro , porque ele foi pensado justamente para gerar discórdia. Ele não tem função nenhuma a não ser esta que foi conduzida por ele até agora. Seu papel é justamente o de um homem- bomba, incendiário, um para-raios que canaliza todas as crises para si.
É conveniente, pois assim é que se chegará a hora em que os militares aparecerão como única hipótese de moderação frente à insanidade geral, inclusive a que está tomando as próprias Forças Armadas. Ainda vamos ver a oposição pedindo ajuda aos generais.
Então a condução da pandemia pelo governo federal teve o endosso dos militares?
Foram várias operações de informação, com uso extensivo da imprensa (que é “informada” através de generais sob condição de anonimato, frequentemente com versões contraditórias), de modo a emplacar a visão de que ele está inclusive desestabilizando as Forças Armadas, tornando-as sua guarda pretoriana.
Qual é a consequência disso? Em primeiro lugar o apagamento do registro de que ele foi, é e vai ser um projeto deles; em segundo lugar o amortecimento do fato de que eles têm responsabilidade sobre o que aconteceu, na pandemia como no resto. Afinal, se tudo é uma questão deles “obedecerem”, ainda vão sair dessa como legalistas e democratas, sobretudo se de fato a “terceira via” que eles estão montando com “generais dissidentes” emplacar.
O que a decisão do Comando do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello por participar de ato político com Bolsonaro revela sobre a intenção dos militares?
Revela que para eles é importantíssimo passar a imagem de que Bolsonaro está no controle do processo, e não eles. Usaram uma retórica batida, um mnemonismo tirado de Sun-Tzu (autor de "A Arte da Guerra): “pareça fraco quando se está forte”. Mas funcionou. E para 'dentro' também, pois é necessário passar para a tropa a imagem de todo processo acima. Mas tudo é decidido no topo, é assim que funciona no Exército.
Como os militares enxergam as acusações em que a família Bolsonaro está envolvida — como supostas ligações com a milícia no estado do Rio de Janeiro?
Não sei. Mas, se eu chutasse a partir de como um militar poderia pensar, justamente veria que aí está uma fragilidade dele, e que isso pode ser operado como instrumento de controle de quem tem muitos fios desencapados. Ou seja, em hipótese é muito mais interessante se controlar alguém que tem um passivo desses. Mas, obviamente, isso é um “se”, não tenho fato empírico que mostre que é assim.
Em que situação podemos pensar em uma ruptura do governo Bolsonaro com os militares?
Se isso acontecer, não creio que deva ser enxergado pelo polo da 'situação', mas sim da 'estrutura' dessa relação. Pois há um caminho que está sendo montado para a tal '3ª via' entrar de modo consensual, e com militares nela. Porém, para isso acontecer de forma definitiva talvez seja preciso mesmo apresentar uma 'situação' qualquer, um 'fato' que faça esses 6 ou 12 mil militares desplugarem dos Ministérios e se reverta a operação psicológica que produziu a adesão em enxame a esse rótulo que se chama
“bolsonarismo” na tropa.
Meu palpite é que isso só pode acontecer se houver um agente catalizador com força suficiente para provocar essa engenharia reversa, que para mim ainda só pode ocorrer se estiver na chave da 'corrupção'.
Esta se tornou uma espécie de 'ativo ideológico', drena as percepções para um lado ou para o outro. A partir do manejo dela eles podem trabalhar numa opção que dê conta ao mesmo tempo de Bolsonaro e de Lula , e continuem assim a aliança 'sinérgica' entre militares e Judiciário, tal como em 2018.
Acredita na força da CPI para a abertura de um processo de impeachment?
Pode até ser, mas será preciso algo a mais para o processo se efetivar. Em primeiro lugar porque até agora os agentes econômicos que realmente importam não têm se incomodado muito com a perda de 500 mil vidas.
A Bolsa sobe, os bancos lucram, as privatizações seguem, a soja está fluindo e tudo ruma para consolidação do Brasil como um País agro-financeiro, e tudo isso com índices ruins. Para o industrial que se contentou em ser um jogador na Bolsa ou para um militar que entende que a soja é uma extensão da soberania nacional, muito que bem.
Em segundo lugar porque será preciso que eles tenham uma avaliação se é melhor chegar com Bolsonaro arruinado ou se é melhor descarta-lo antes, para não correr riscos de seu piso subir demais. Ainda que aquele que o inflou, tem também o poder de o fazer murchar, é só questão de ver o que dá mais trabalho.
Para os militares, basta que eles comecem a falar que não apoiam Bolsonaro em reuniões reservadas na Fiesp, etc, que você vai ver em efeito cascata, todo mundo pulando fora do barco, do banqueiro ao quitandeiro. Mas tem que ter outro por perto, daí a necessidade de se adensar essa '3ª via'.
Foi assim que eles começaram a construir a candidatura dele com outros setores na eleição passada, um trabalho minucioso de 'propaganda e informações', em que eles se garantiram como única solução frente ao caos que imperava no País.
Portanto, se eu tiver que dar um palpite, tudo terá que acontecer no ano que vem, na hora que esse pessoal cansar e resolver controlar o processo eleitoral — o que não pode ser feito desde já, porque o Brasil ainda tem que piorar muito até que se consolide a percepção que eles são a última carta do baralho.
Por fim. Em caso de derrota nas urnas em 2022, é possível pensar no risco de uma ruptura democrática total com a atuação dos militares?
O problema é que a gente talvez precise de um novo entendimento do que é essa palavra “democracia” a partir de uns anos para cá. 2018 foi democrático? Não era até o momento em que se dizia que “eleição sem Lula é fraude” — e era mesmo —, mas eis que o próprio PT endossou a eleição, inclusive dando a Bolsonaro a oportunidade de sequestrar a pauta da fraude eleitoral.
Desde aquele momento, com a oposição controlada e endossando o papel da Justiça, vivemos esse regime híbrido, de controle pelo consórcio jurídico-militar mas com aparência de “instituições que funcionam”. Até para isso a disfunção de Bolsonaro contra o STF serve, pois é mera refração da 'sinergia' que de fato ocorre entre esses setores não eleitos para determinar a política.
Como o ganho para os militares é ascendente em qualquer hipótese, para eles assumirem diretamente o Executivo (e não através de um agente terceirizado, como é Bolsonaro) teria que haver o cálculo de que um outro grupo com o mesmo nível de poder pudesse redefinir esse projeto de aparelhamento e hegemonia, inclusive com ônus para os setores que agora estão drenando a energia produtiva do País e garantem uma certa indiferença internacional em relação a nós. Alguém se candidata a isso? Acho que, pelo menos por enquanto, ainda não.
Na semana passada, Bruno Covas iniciou tratamento com radioterapia para tentar controlar um sangramento residual detectado em seu estômago
Com Agências
O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, teve uma piora no estado de saúde nessa sexta-feira e o seu quadro clínico é considerado "irreversível" pela equipe médica do hospital Sírio Libanês, na capital paulista, onde ele está internado.
"O prefeito Bruno Covas segue internado no Hospital Sírio-Libanês recebendo medicamentos analgésicos e sedativos. O quadro clínico é considerado irreversível pela equipe médica. Neste momento, encontra-se no quarto acompanhado de seus familiares. Ele está sendo acompanhado pelas equipes médicas coordenadas pelo prof. Dr. David Uip, Dr. Artur Katz, Dr. Tulio Eduardo Flesch Pfiffer, Prof. Dr. Raul Cutait e pelo Prof. Dr. Roberto Kalil Filho", diz o boletim médico emitido às 19h30 dessa sexta-feira.
Na semana passada, Bruno Covas iniciou tratamento com radioterapia para tentar controlar um sangramento residual detectado em seu estômago, uma complicação que surgiu enquanto o prefeito tratava de um metastático que atinge o sistema digestivo e os ossos.
Na ocasião, Covas havia feito uma endoscopia que "evidenciou discreto sangramento residual no estômago". Foi um sangramento na interligação entre o estômago e o esôfago - local onde um de seus três primeiros tumores foi detectado - que o havia feito precisar ir para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital. Esse primeiro sangramento havia sido controlado no próprio exame, mas o prefeito foi para o centro de cuidado intensivo para se recuperar.
Uma nova endoscopia, porém, revelou que havia ponto de hemorragia. "Desta forma, foi iniciado tratamento local com radioterapia para controle deste sangramento", informou o boletim médico à epoca.
Desde que o primeiro sangramento foi detectado, Covas teve de interromper o tratamento contra os tumores que atingem o fígado, a bacia e a coluna. Ele vinha se submetendo a um procedimento que combinava sessões de quimioterapia e radioterapia. Esse tratamento ainda não tem data para ser retornado.
Covas descobriu que tinha câncer em outubro de 2019, inicialmente na cárdia (a ligação entre o esôfago e o estômago), no fígado e em gânglios linfáticos. O tratamento fez com que parte dos tumores diminuíssem. Neste ano, após piora, os médicos detectaram os novos pontos tumorais.
Quem não atender convocação terá benefício bloqueado
Por Wellton Máximo
A partir de junho, os aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que deixarem de realizar a prova de vida voltarão a ter o benefício cortado, informou hoje o órgão. A exigência estava suspensa desde março de 2020, por causa da pandemia de covid-19.
Inicialmente, a retomada da prova de vida estava prevista para maio, mas foi adiada em um mês pela Portaria 1.299 do Ministério da Economia, publicada hoje (13) no Diário Oficial da União.
Em maio, ocorrerá o bloqueio de 160 mil beneficiários que deveriam ter feito a prova de vida em fevereiro de 2020, antes do início da pandemia. Estes devem ir à agência regularizar a situação. De março de 2020 em diante, os prazos serão retomados de forma gradual, para evitar aglomerações nas agências bancárias.
A portaria estabeleceu o seguinte calendário de transição para a prova de vida para os segurados do INSS.
Os beneficiários escolhidos para a comprovação digital por reconhecimento facial e que não fizeram o procedimento no aplicativo Meu Gov.br terão o benefício cortado neste mês. Neste caso, o desbloqueio do pagamento poderá ser feito por reconhecimento facial no próprio aplicativo. Segundo o INSS, cerca de 340 mil pessoas selecionadas que fizeram a prova de vida digital nos últimos meses não correm o risco de ter o benefício bloqueado.
Biólogo Marco Krieger afirma que a instituição está negociando a compra de mais matéria-prima importada para garantir entregas até a liberação do imunizante produzido com insumo nacional pela Anvisa
Por José Fucs
O vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocuz, Marco Krieger, tem os números de entrega de vacinas contra a covid-19 na ponta de língua e a responsabilidade de monitorar todo o processo para antecipar possíveis problemas. Em entrevista ao Estadão, ele fala sobre a expectativa de fechar o contrato de transferência de tecnologia com a farmacêutica AstraZeneca ainda em maio e sobre o adiamento da entrega das vacinas que serão produzidas com insumo nacional.
Segundo Krieger deverá haver um gap de dois meses entre a entrega do último lote de vacinas produzidas com IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) importado da China, prevista para julho, e o início da entrega do primeiro lote de vacinas fabricadas com IFA nacional, projetado agora para outubro. Para que a Fiocruz não deixe de entregar vacinas em agosto e setembro ao Programa Nacional de Imunização (PNI), ele afirma que está negociando a compra de mais IFA importado, que não estava prevista originalmente no cronograma. “Estamos trabalhando para ver se é possível cobrir esse gap com matéria-prima adicional de fora”, diz.
Há uma previsão de entrega de um total de 100,4 milhões de doses de vacina produzida com IFA importado pela Fiocruz até julho. Essa previsão será cumprida? O insumo necessário para isso já está no Brasil ou ainda falta alguma coisa para vir?
A gente deve receber todo o IFA até junho, mas demora um mês para liberar a vacina A gente até está batendo recorde de liberação, fazendo tudo em menos de um mês. Hoje, já está no Brasil o equivalente a 48 milhões de doses. Deste total, mais de 30 milhões de doses já foram entregues e tem mais 20 milhões que serão entregues com esse IFA. Basicamente, estamos já com metade do produto aqui, mais uma parte da outra metade já chegando neste mês e com uma capacidade de produção que nos deixa com confiança para que, em julho, a gente esteja muito próximo do compromisso das 100,4 milhões de doses com IFA importado. Temos 14 embarques previstos no nosso contrato e existe a possibilidade de haver mais um, por causa de rendimento. De qualquer forma, vamos receber mais dois lotes em maio e chegar a 10 dos 14. As liberações estão acontecendo. Mesmo com todos os problemas, esses lotes que estão faltando já estão produzidos e só não foram liberados porque depois ficam em controle de qualidade. A gente já sabe que o nosso contrato já está produzido, metade da matéria-prima já está aqui. Agora, para não exagerar nas expectativas otimistas, eu vou dizer que, hoje, a gente tem garantidas 50 milhões de doses para as quais o IFA já está no Brasil. Se chegar tudo, hoje temos uma capacidade de produção que excede a quantidade de matéria-prima que está disponível. A questão é que existe uma crise de matéria-prima no mundo. Então, a gente está num cenário que não depende apenas de nós.
Há ainda mais 8 milhões de doses prontas da Índia, de um total de 12 milhões contratadas. Quando isso deve chegar?
Elas não foram contratadas do ponto de vista orçamentário. O que aconteceu foi que, com o atraso na chegada do IFA (da China) que estava prevista para ocorrer em janeiro e com a situação dramática da pandemia no País naquele momento, principalmente em Manaus, a AstraZeneca sinalizou, como um sinal de boa vontade, que tinha 20 milhões de doses do Instituto Serum e poderia nos ceder metade disso, com o compromisso de chegar até abril, que também foi frustrado. Depois, acabaram dando 12 milhões de doses, das quais chegaram 4 milhões. Hoje, como a situação na Índia piorou muito, nem tenho muitas expectativas de que esse compromisso vai ser honrado tão cedo. Até porque o cenário inverteu. Hoje, o mundo está tentando ajudar a Índia, apesar de eles terem uma capacidade de produção espetacular. O cenário está muito complexo. Por sorte, o Brasil se preparou para produzir as vacinas aqui, porque estamos numa diplomacia de vacinas, uma coisa bem complicada, em que precisamos ver ainda como vai ser o desdobramento.
Em relação ao segundo semestre, a Fiocruz se comprometeu a entregar mais 110 milhões de doses com IFA nacional de agosto a dezembro. Só que, até agora, a assinatura do contrato de transferência de tecnologia, que está sendo negociado há meses, ainda não aconteceu. Em que medida isso pode afetar o cronograma?
Essa situação é inédita também em termos de negociação. Na pandemia, como esse processo tinha um componente de saúde global, ele teve um tratamento diferenciado pelas duas partes em relação a informação. Nós temos os nossos grupos técnicos reunidos desde agosto, discutindo os detalhes da tecnologia. Esse fluxo de informações nunca tinha acontecido antes na assinatura de um contrato desse tipo. Tanto que nós recebemos o certificado técnico e operacional em boas práticas da Anvisa e temos uma planta industrial pronta para produzir a vacina, porque toda as informações de transferência de tecnologia foram disponibilizadas para isso. Até o momento a não assinatura do contrato não teve impacto no nosso processo, mas é claro que essa situação tem de ser resolvida de uma forma séria, porque se não vai começar a impactar. Nós temos de resolver isso, porque se não vamos ficar sem essa ferramenta para o enfrentamento da pandemia.
Por que o contrato de transferência de tecnologia não foi assinado até agora?
Nós não conseguimos fazer antes, porque um contrato desse tipo costuma demorar um ano para ser negociado. Nós, em um ano, vamos fazer a internalização da tecnologia. O time técnico da Fiocruz tem que rever o contrato e em janeiro estava trabalhando nos registros. Nós fizemos dois pedidos de registro, cada um com mais de 10 mil páginas, e os dois foram aprovados. Não dá para pedir para esse pessoal parar de fazer o registro para cuidar do contrato. Depois, essa turma se envolveu no desenho da planta industrial, nas instalações, nos equipamentos. Vieram pessoas de fora para dar os certificados de que a gente precisava para obter o segundo registro. Foi um registro emergencial, um registro de produto definitivo em março e o certificado de boas práticas de fabricação em abril. Isso era prioridade em relação ao contrato de transferência de tecnologia, até porque o fluxo de informações e a medida de parceria estavam bem estabelecidos.
Agora, a nossa prioridade é fechar o contrato em maio, se tudo der certo. A produção do IFA nacional vai nos livrar do último nível de incerteza que a gente está tendo. No segundo semestre, em algum momento, vai ser viável a gente ter o domínio tecnológico total para produzir uma nova geração de vacinas no País. Isso vai ser uma coisa muito importante também. Pode haver intercorrências, mas até agora a gente conseguiu fazer a obra, em um mês instalar os equipamentos e no outro receber o certificado da Anvisa.
A construção da planta industrial, a instalação dos equipamentos, a linha de produção, tudo isso já está pronto mesmo?
Já foi tudo até certificado pela Anvisa. Talvez tenha tido um ruído nisso também. Nós temos dois projetos. Lançamos uma nova fábrica de processamento final que vai ficar pronta daqui a três anos. É outro projeto que vai se beneficiar também dessa revolução tecnológica que a gente está vivendo agora. Além disso, adaptamos uma área que nós tínhamos, num prédio já pronto, compramos todos os equipamentos, com as informações recebidas da AstraZeneca. A instalação dos equipamentos não significa colocar o fio na tomada. Teve de vir empresa de fora, para fazer o que a gente chama de “qualificação do funcionamento do equipamento”. Fizemos isso para a linha de produção e para a linha de purificação. Essa área toda está pronta. Ficou espetacular. A Anvisa esteve lá nos visitando na última semana de abril e nesta segunda-feira (10 de maio) saiu publicado no Diário Oficial o certificado de boas práticas. Então, esse ponto passou. Já temos a área 100% preparada e já certificada pela Anvisa.
A Fiocruz só consegue mesmo iniciar a produção de vacina com IFA nacional depois da assinatura do contrato?
Talvez, não. Nós estamos tentando ver se conseguimos antecipar, para a gente não perder tempo, mas é um problema. A assinatura do contrato envolve dois níveis: o negocial, que está quase delimitado, e o processual. Nós precisamos submeter o contrato à Procuradoria, avaliar uma série de questões legais. A gente tem um paper work para fazer, assim como a AstraZeneca, que vai ter de submeter o contrato a Oxford. Não é um projeto comercial clássico. Existe, ainda, a suspensão de royalties. Não é quebra de patente é suspensão. Nós negociamos isso seis meses atrás. Oxford abriu mão dos royalties. A AstraZeneca, também. Quando passar a pandemia, vamos pagar pela tecnologia, como pagamos em outros casos. Agora, ninguém sabe quanto tempo vai durar a pandemia. Quando Oxford assinou o contrato com a AstraZeneca em abril do ano passado, eles colocaram que, em julho deste ano, estaria tudo resolvido. Era uma expectativa que eles tinham. Provavelmente, vai ser outra expectativa frustrada. Quando começou esse processo o nosso conhecimento de coronavírus era Sars (Síndrome Aguda Respiratória Grave) e Mers (Síndrome Respiratória do Médio Oriente). Achamos, pelo que a gente sabia, que ia ser um tipo de pandemia muito grave, mas restrito no tempo e no espaço. Nós não tínhamos ideia do que está acontecendo e isso faz parte de todas as questões que a gente comentou.
A expectativa, então, é que esse contrato esteja concluído até maio, é isso? Tirando aqueles trâmites legais, isso depende basicamente de vocês agora?
É uma negociação nossa com a AstraZeneca e ela tem de negociar com Oxford. Não dá para abrir mão de certas coisas que infrinjam direito de terceiros, porque eles têm um contrato com Oxford e nós temos de seguir a legislação brasileira de propriedade intelectual, que não é a mesma que eles têm, mas estamos muito próximos da definição.
De 0 a 100, qual a probabilidade de que isso deve ser realmente concluído ainda em maio?
A gente até tem uma data prevista antes do fim de maio para poder fazer esse movimento. Mas até pelo histórico de frustração de expectativas vou usar a 5º Emenda americana e não vou me pronunciar sobre isso, para que não seja usado contra mim depois. Mas é muito grande a probabilidade de isso ser feito ainda em maio, porque a gente precisa começar a produção neste mês para poder ter uma articulação melhor da entrega das vacinas. A gente está fazendo várias modelagens e vários cenários de articulação entre a chegada dos últimos lotes de IFA importado e o início da produção de vacinas com IFA nacional, inclusive com eventual importação de IFA adicional da Índia, para garantir o maior fluxo possível de vacina para a população brasileira. Então, é muito importante que o contrato seja assinado em maio, para não atrasar o processo. Eu até falei que iria tentar, mas na prática a gente não pode começar a produção sem assinar o contrato. O que eu quis dizer é que, com tudo acertado e tudo feito, faltando apenas o detalhe da cerimônia, digamos assim, é possível que gente possa iniciar a produção.
No segundo semestre, o compromisso da Fiocruz era entregar essas 110 milhões de doses produzidas com IFA nacional de agosto a dezembro, mas já se falou de um possível adiamento para setembro e agora para outubro. Isso vai acontecer mesmo com a assinatura do contrato e o início da produção em maio? Se a entrega começar em outubro, isso vai comprometer a meta do segundo semestre?
São duas questões interligadas, mas distintas. A nossa expectativa é começar a produzir em maio, mas as vacinas não poderão ser liberadas antes de a gente fazer a alteração do local de fabricação do nosso registro sanitário. Para isso, temos de fazer cinco produções: duas de pré-validação, para avaliação interna de Bio-Manguinhos (Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos, vinculado à Fiocruz), e três de validação, para a Anvisa. Como nós temos duas linhas de produção, dá para fazer isso em paralelo. Mesmo assim, são necessários 45 dias para o crescimento celular mais uns 30 dias de controle de qualidade. Então, nós estamos trabalhando com a perspectiva de iniciar a liberação das vacinas em setembro ou outubro. Não dá para antecipar mais. By the book, isso aí ficaria para julho do ano que vem. Isso não quer dizer que só vamos começar a produzir em outubro. Tudo que tivermos produzido de maio a setembro, 15 milhões de doses por mês, será liberado de uma só vez no momento em que a gente tiver o registro. Ate setembro, serão 60 milhões de doses. Saindo o registro, a gente libera isso no mesmo dia. É claro que a produção de maio será menor, mas em junho já vamos estar no nível e em julho, agosto e setembro vamos estar com carga máxima, sem poder entregar ainda, porque estaremos trabalhando ainda para o registro. Agora, a gente nem começou a produzir ainda as vacinas com IFA nacional. Então, não posso assumir essa responsabilidade com esse número.
Se a liberação de vacinas com IFA nacional só deve começar em outubro e se a entrega de vacinas com IFA importado está prevista para acabar em julho, o que vai acontecer em agosto e setembro? A Fiocruz vai ficar dois meses sem entregar vacinas?
Se tudo der certo e nós conseguirmos honrar o nosso compromisso de entregar 100,4 milhões de doses com IFA importado até julho, teremos um gap. Estamos trabalhando para ver se é possível cobrir esse gap com matéria-prima adicional de fora. A gente está muito preocupado com o segundo semestre, mas neste momento estamos absolutamente focados nas entregas do primeiro semestre e no fechamento do contrato, para poder articular todo esse projeto que, como você pode perceber, tem uma complexidade inédita. Nós nunca fizemos nada parecido com o que está sendo feito neste momento, mas a partir do segundo semestre, outros atores vão entregar números mais importantes.