Para Trump, o movimento configuraria como uma tentativa de desbancar o dólar, o que pioraria a relação com os EUA
Por Giovana Cardoso
Em meio à tentativa do Brasil de destravar o diálogo com os Estados Unidos, o governo brasileiro estuda possibilidades para reverter o cenário do tarifaço. Apesar do impasse e da desconfiança do presidente Donald Trump em instituições multilaterais, integrantes do governo acreditam que a crise pode ser uma oportunidade para fortalecer a aliança com os Brics— bloco econômico formado por países como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Entretanto, para Trump, o movimento pode ser visto como uma tentativa de desbancar o dólar, o que tem o potencial de piorar a relação do Brasil com os Estados Unidos.
A especulação ocorre após o assessor de Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmar que as medidas de Trump reforçam a parceria do Brasil com outros integrantes do bloco. Em entrevista ao Financial Times, Amorim destacou que os Brics não têm caráter ideológico e atuam no apoio à ordem multilateral.
Em outras ocasiões, o presidente norte-americano ameaçou integrantes do bloco e reforçou o papel do dólar como referência mundial. No início de julho, Trump chegou a anunciar uma tarifa extra de 10% a qualquer nação que se alinhar a “políticas antiamericanas dos Brics”.
As ameaças tiveram início em 2023, após a proposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de criar uma moeda comercial única como forma de reduzir a dependência do dólar e amenizar os custos operacionais de transações que envolvam os países do bloco.
Desafios internacionais
Natali Hoff, especialista em relações internacionais, afirma que, ao criar uma moeda, os países do bloco teriam de lidar com tensões políticas “significativas” no sistema internacional. “A própria fala do Trump evidencia isso. De que os Estados Unidos não vão acatar, de maneira passiva, esse tipo de iniciativa, já que é uma iniciativa que se contrapõe de maneira direta à hegemonia americana”, avaliou.
No caso dos Brics, Natali afirma que, cada vez mais, os países-membros apostam que a adoção de uma moeda comercial poderia garantir uma autonomia, principalmente no que diz respeito à ordem econômica internacional.
Crise nas instituições
Para especialistas ouvidos pelo R7, as medidas de Trump revelam uma reconfiguração do sistema internacional, marcada, principalmente, por uma crise em instituições multilaterais, como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OMC (Organização Mundial do Comércio).
Um exemplo disso é o enfraquecimento do Órgão de Apelação da OMC, provocado, em parte, pelos EUA ao bloquear nomeações — o que acaba comprometendo a efetividade do sistema de penalização. Recentemente, sem citar os EUA, o Brasil questionou na OMC o uso de tarifas como instrumento de ameaça.
Para o especialista em relações internacionais Guilherme Frizzera, o enfraquecimento dessas instituições e o uso de práticas coercitivas, como tarifas e sanções, forçam outros países a buscarem alternativas fora de “sua órbita de influência”.
“Diferentemente do período pós-Segunda Guerra Mundial, em que os EUA lideraram a construção de uma ordem internacional liberal, o cenário atual aponta para o surgimento de uma nova ordem não por iniciativa americana, mas como reação à sua retração e à sua postura confrontacional”, explica.
Protagonismo do Brasil
Em outro capítulo da crise entre os países, Lula ironizou a postura do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em relação à política internacional. O petista disse que o republicano parece incomodado com o protagonismo crescente do Brasil e dos países do Sul Global em fóruns multilaterais, como o G7 e o G20.
“Possivelmente, o Trump tenha ficado preocupado com a reunião dos Brics”, opinou Lula, ao comentar a recente ofensiva tarifária de Trump contra o Brasil. A declaração foi dada no último dia 10, em entrevista exclusiva à jornalista Christina Lemos.
Na entrevista, Lula defendeu uma política externa multilateral, baseada em diálogo, respeito à soberania e equilíbrio entre as nações — princípios que, segundo ele, não se coadunam com a postura adotada por Trump.