EUA sancionaram nesta quarta-feira, 30, punições contra o ministro do STF com lei Magnitsky
Com Estadão
Com a decisão do governo dos EUA de aplicar a lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes, oficializada nesta quarta-feira, 30, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) não só será impedido de entrar em solo norte-americano como também sofrerá diversas sanções econômicas. É o que aponta o documento emitido pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Tesouro dos Estados Unidos.
"Como resultado da ação de hoje, todos os bens e interesses em bens da pessoa designada ou bloqueada descrita acima que estejam nos Estados Unidos ou em posse ou controle de cidadãos norte-americanos estão bloqueados e devem ser reportados ao OFAC", cita o órgão. "Além disso, quaisquer entidades que sejam de propriedade, direta ou indiretamente, individual ou coletivamente, em 50% ou mais, de uma ou mais pessoas bloqueadas também estão bloqueadas."
Como explicam especialistas entrevistados pelo Terra, mesmo que Moraes não tenha ativos nos EUA, ele fica impossibilitado de usar cartões de crédito, contas bancárias ou serviços de companhias que sejam de empresas norte-americanas. Não à toda é a medida é apelidada de “morte financeira”, em meio ao grande impacto causado pela influência dos EUA na economia. Qualquer cartão com uma bandeira que atue nos Estados Unidos, por exemplo, já estaria fora de uso para a pessoa enquadrada na lei.
"Violações de sanções dos EUA podem resultar na imposição de penalidades civis ou criminais", destacou o Tesouro americano, que também acrescenta a possibilidade de sanções a instituições financeiras e outras pessoas que se envolverem em transações ou atividades com Moraes. "As proibições incluem a realização de qualquer contribuição ou fornecimento de fundos, bens ou serviços por, para ou em benefício de qualquer pessoa designada ou bloqueada, ou o recebimento de qualquer contribuição ou fornecimento de fundos, bens ou serviços de qualquer pessoa."
“Nunca houve uma aplicação dessa lei a ministros das altas cortes de outros Estados”, pontua Priscila Caneparo, pós-doutora em Direito Internacional, que afirma que a sanção afeta a soberania de outro Estado – e, nesse caso, é ainda mais sensível por ser direcionada ao poder judiciário do Brasil.
A pressão para a aplicação da Lei Magnitsky veio por parte de empresas de mídia norte-americanas que processam Moraes pelo bloqueio de perfis nas redes sociais --o que caracterizam como censura e violação de Direitos Humanos. Além disso, enquadrar o ministro neste dispositivo tem sido o principal apelo de bolsonaristas a Trump.
O que é a lei Magnitsky?
Criada em 2017, a Lei Magnitsky permite que os Estados Unidos imponham uma série de sanções a acusados de grave corrupção ou violações de Direitos Humanos. E no que diz respeito ao direito internacional, seriam necessárias provas concretas e documentadas de grave violação --como tortura, detenção arbitrária, desaparecimento forçado de pessoas--, crimes contra a humanidade ou corrupção sistemática com implicação internacional, explica Priscila Caneparo.
Mesmo sem apresentar provas, o governo americano acusou Moraes de "caça às bruxas" e de "censura". "Hoje, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro dos EUA está sancionando o ministro Alexandre de Moraes (de Moraes), do Supremo Tribunal Federal (STF), que usou seu cargo para autorizar detenções arbitrárias preventivas e suprimir a liberdade de expressão", afirma o comunicado.
“Alexandre de Moraes assumiu a responsabilidade de ser juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas americanas e brasileiras”, disse o Secretário do Tesouro, Scott Bessent . “De Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. A ação de hoje deixa claro que o Tesouro continuará a responsabilizar aqueles que ameaçam os interesses dos EUA e as liberdades de nossos cidadãos.”
Há como reverter as sanções aplicadas a Moraes?
Por ser uma ação do próprio governo dos Estados Unidos, não há um meio formal, na perspectiva jurídica, de alguém se proteger da Lei Magnitsky, pontua Priscila Caneparo. O que pode ser feito, teoricamente, é contratar advogados para tentar reverter ou mitigar as sanções via Departamento de Estado – que é o departamento executivo do governo federal dos EUA responsável pela política externa do país.
A decisão do governo americano, no entanto, pode agravar ainda mais a crise diplomática entre os países. “O que pode acontecer é o Brasil tomar essa questão como uma questão de Estado, [na linha do] que a gente está observando, tentar negociar ou protestar na via diplomática, ou ainda ingressar com uma ação contra os Estados Unidos na Corte Internacional de Justiça”, complementa a especialista.
Além de poder enquadrar a ação como uma afronta à soberania do Brasil, o País também teria margem para acusar os EUA de interferência em gerência no ambiente externo de outros estados, “o que é totalmente proibido no Direito Internacional Econômico”.
Pano de fundo: taxação de 50%, operação da PF contra Bolsonaro e mais
O Brasil segue sob a ameaça da tarifa de 50% sobre as importações brasileiras anunciada por Trump, prevista para entrar em vigor no dia 1º de agosto. Para o governo Lula, que articula para reverter a situação, a medida é uma “chantagem inaceitável”, já que Trump relacionou a aplicação da taxa ao julgamento que aponta Jair Bolsonaro como parte do “núcleo central” da trama golpista nas eleições passadas.
Em paralelo ao julgamento de golpe de Estado, há um inquérito que investiga Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente e deputado federal, por suas articulações com o governo Trump que estariam instigando sanções contra autoridades brasileiras. Jair Bolsonaro é visto como participante dessa mobilização e, por isso, foi alvo de uma ação da Polícia Federal na última sexta-feira, 18.
Essa conexão se deu, para o ministro Alexandre de Moraes, relator dos casos, ao ex-presidente "confessar sua consciente e voluntária atuação criminosa na extorsão que se pretende contra a Justiça brasileira" por condicionar o fim da taxação de 50% imposta pelo presidente dos Estados Unidos ao Brasil à sua própria anistia. Além disso, pesou o fato de Bolsonaro ter repassado R$ 2 milhões, como ele mesmo declarou, ao seu filho, nos EUA, para auxiliar em sua permanência por lá.
Com a decisão de Moraes, Jair Bolsonaro passou a estar sob medidas restritivas. Ele começou a usar tornozeleira eletrônica, está proibido de acessar redes sociais, terá que ficar em recolhimento domiciliar de 19 horas às 6 horas de segunda a sexta-feira e em tempo integral nos fins de semana e feriado, e está proibido de se comunicar com embaixadores e autoridades estrangeiras e de aproximar de sedes de embaixadas e consulados. Para a defesa de Bolsonaro, "as graves medidas cautelares foram impostas em função de atos praticados por terceiros, circunstância inédita no direito brasileiro".
Em paralelo, a revogação dos vistos de Moraes e de outros ministros do STF se deu como resposta direta do governo Trump à ação da PF contra Bolsonaro. O anúncio veio por meio de publicação no X, antigo Twitter, feita por Marco Rubio, o secretário de Estado dos Estados Unidos. Segundo ele, o governo dos EUA "responsabilizará estrangeiros responsáveis pela censura de liberdade de expressão protegida nos Estados Unidos".
"A caça às bruxas política do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, contra Jair Bolsonaro criou um complexo de perseguição e censura tão abrangente que não apenas viola direitos básicos dos brasileiros, mas também se estende além das fronteiras do Brasil, atingindo os americanos", acrescentou Rubio, na ocasião.