Por Tom Lyra
Um optometrista foi assassinado dentro de sua própria clínica.
Assassinado por um oftalmologista.
Sim, você leu certo um profissional da saúde matou outro.
Não por dinheiro, nem por vingança, mas pelo simples e inaceitável fato de o outro ser optometrista.
O nome dele era Marcelo.
Homem de bem, estudioso, formado, respeitado por seus pacientes, dedicado a um ofício que escolheu por vocação.
Foi morto por exercer, com dignidade, o direito de cuidar da visão de quem mais precisa o direito de ajudar o povo brasileiro a enxergar melhor.
E é justamente aqui que mora a tragédia:
vivemos num país em que, muitas vezes, quem tenta fazer o bem se torna alvo.
Um país que ainda não aprendeu a conviver com a pluralidade do saber, nem com a coexistência das profissões que se complementam.
Há décadas, a Optometria é tratada como intrusa no próprio campo da saúde visual como se cuidar da visão fosse privilégio de poucos, e não missão de muitos.
A morte de Marcelo não é um caso isolado.
É o desfecho mais cruel de uma perseguição velada, de uma campanha silenciosa e covarde que tenta apagar a Optometria do mapa profissional brasileiro.
O preconceito foi se transformando em hábito, o hábito em norma, e a norma em ódio.
E quando o ódio se institucionaliza, o resultado é esse: uma profissão ferida, uma família destruída e um país moralmente cego.
Há mais de vinte anos formamos optometristas em universidades brasileiras.
Há quatro anos o Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade dessa atuação.
Mas, ainda hoje, há quem prefira tapar os olhos à realidade.
Enquanto isso, milhões de brasileiros continuam sem acesso à atenção visual básica, em comunidades onde o oftalmologista não chega e onde o optometrista, muitas vezes, é o único a estender a mão.
Não há justificativa, nem argumento técnico ou ético, que sustente tamanha intolerância.
Não há ciência onde impera o medo.
Não há saúde onde existe ódio.
Marcelo não foi morto apenas por uma bala.
Foi morto por um sistema que escolheu o ego em vez da empatia, o domínio em vez da cooperação, a cegueira moral em vez da clareza do bem.
E o que faremos nós colegas, cidadãos, autoridades, imprensa diante disso?
Vamos repetir as frases de pesar e seguir em frente como se nada tivesse acontecido?
Vamos fingir que não há responsabilidade coletiva em cada ato de silêncio, em cada porta fechada, em cada diploma ignorado?
Eu, não.
Eu escolho não me calar.
Porque há crimes que ultrapassam o corpo da vítima e atingem a consciência de um país inteiro.
E esse é um deles.
Marcelo nos deixa uma missão: transformar essa dor em voz, esse luto em luta, e essa escuridão em caminho.
Porque nenhuma morte será em vão quando o grito que dela nasce for mais forte que o medo.
Hoje, o Brasil chora mais um filho e perde um pedaço da visão que ainda lhe restava.
Mas amanhã, se houver coragem, talvez a luz volte a atravessar as sombras.
Por justiça. Por respeito. Pela liberdade de exercer o que é certo.
Pela Optometria. Pelo direito de enxergar.
Tom Lyra
Ex vice governador do estado do Tocantins