De Notas &I nformações
Não há nada de anormal em que, vez por outra, haja alguma tensão nas relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário. A autonomia de cada Poder não é absoluta, cabendo aos outros promover ou restabelecer o equilíbrio. Fundamento da separação dos Poderes, essa dinâmica de freios e contrapesos é o cerne do sistema proposto por Montesquieu.
O presidente Jair Bolsonaro tem, no entanto, se valido desse sistema de controle para uma nefasta manobra. O objetivo tem sido fustigar o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de atos acintosamente inconstitucionais.
A manobra se dá da seguinte forma. O governo Bolsonaro propõe ações judiciais ou edita atos que, desde o início, já se sabe que o Supremo rejeitará, em razão de manifesta inconstitucionalidade. O objetivo, no entanto, não é obter o que foi pedido. O que se quer é a decisão negativa do Judiciário.
Depois, esse conjunto de decisões judiciais contrárias ao governo Bolsonaro – afinal, não se trata apenas de uma ação manifestamente inconstitucional, mas de uma série de medidas contrárias à Constituição – é usado como desculpa para a incompetência do próprio governo. A mensagem de irresponsabilidade é simples: o presidente Jair Bolsonaro tenta fazer o bem para o País, mas o Supremo não deixa.
Exemplo dessa tática é a mais nova manobra do presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia. A Advocacia-Geral da União (AGU) acionou o Supremo para questionar as medidas de restrição dos governadores de Pernambuco, Paraná e Rio Grande do Norte.
O tema é pacífico. A Constituição prevê a competência compartilhada da União, Estados e municípios em relação à saúde pública.
Além disso, o Supremo, no primeiro semestre de 2020, já reconheceu que governadores e prefeitos podem decretar restrições para conter a pandemia. Ou seja, não há nenhuma dúvida sobre qual será a decisão do STF em relação à nova ação da AGU, mas mesmo assim – ou melhor, precisamente por isso – o governo Bolsonaro acionou o Supremo.
Outro ato para fustigar o Supremo diz respeito ao decreto, anunciado pelo Executivo federal, sobre as redes sociais. Sob o pretexto de regulamentar o Marco Civil da Internet, o presidente Jair Bolsonaro deseja proibir que as redes sociais excluam publicações ou suspendam perfis que contrariem as normas dessas plataformas.
As redes sociais não podem ser passivas no combate à desinformação. É crescente a percepção de que – para a saúde pública, para o livre debate de ideias e para a própria democracia – as redes sociais não podem ser um espaço sem lei.
O presidente Jair Bolsonaro promete, no entanto, fazer o exato oposto, impedindo que as redes sociais zelem pelos respectivos ambientes virtuais e pela validade de suas regras. É óbvio que um decreto com tal conteúdo não tem como prosperar no Supremo, por manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade. Mas isto é o que Jair Bolsonaro deseja: mais um pretexto para dizer a seus apoiadores que ele defendeu – e o Supremo negou – a liberdade de expressão.
Uma terceira medida sem a menor viabilidade, mas que por isso mesmo Jair Bolsonaro vem dedicando cada vez mais energia, é o voto impresso. O STF já declarou que é inconstitucional, pelos riscos de manipulação e pela desproporção do custo econômico, a obrigatoriedade da impressão de registros de votos depositados de forma eletrônica na urna. Na decisão, o Supremo lembrou que não há nenhum indício de fraude nas urnas eletrônicas. A fraude existia antes, quando se utilizava cédula de papel nas eleições.
A inviabilidade do voto impresso pouco importa, no entanto, a Jair Bolsonaro. Seu objetivo é disseminar a desconfiança no sistema eleitoral, para que possa apresentar sua eventual derrota eleitoral como resultado de um complô contra ele – um complô com a participação do Supremo.
O uso do aparato público – em última análise do dinheiro público – para produzir continuamente inconstitucionalidades não é apenas uma afronta ao Supremo. É um deboche com a Constituição e um vil insulto à Nação.
Lula e Bolsonaro tomaram o cenário. Centro’ esvaiu-se antes do tempo. Até o mercado entregou os pontos. Terceira Via deve prometer um futuro
POR THOMAS TRAUMANN
A Terceira Via –a articulação de que seria possível ter um candidato viável à Presidência que não se chamasse nem Luiz Inácio Lula da Silva, nem Jair Bolsonaro– parece ter se dissipado feito aquelas febres de verão. O núcleo formado por João Doria, Luciano Huck, Luiz Mandetta, Eduardo Leite, Tasso Jereissati e João Amoêdo (Ciro Gomes corre em faixa paralela) parece exaurido antes do tempo. Faltando 17 meses para as eleições, até o mercado financeiro, o setor que outrora comparava o segundo turno Bolsonaro x Lula com o armagedon, entregou os pontos.
Em duas lives distintas promovidas nessa semana, executivos naturalizaram a escolha:
“Apesar de os candidatos que são hoje favoritos serem de polos antagônicos, a eleição vai ser decidida ao centro, não necessariamente por um candidato de centro. Minha expectativa é que a racionalidade prevaleça nas eleições. As reformas são uma conquista da racionalidade”, disse André Esteves, do BTG.
Rogério Xavier, da SPX, previu que “o mercado ainda chegará à conclusão que, se Lula vencer a eleição em 2022, vai ser como no primeiro mandato (fiscalista)”. Luiz Stulbergher, do Fundo Verde, também contemporizou. “Todo mundo se lembra do Lula como uma época boa, o lado dele genial. O Lula vai acabar achar um vice bom e o Bolsonaro vai ser mais do mesmo”.
Mesmo com a turma do dinheiro colocando suas fichas nessa final, é preciso cautela. O favoritismo de Bolsonaro e Lula é evidente, mas parafraseando o economista John Kenneth Galbraith, “a única função de previsão eleitoral é fazer com que a astrologia pareça respeitável”. Em 2014, Marina Silva quase venceu pela emoção causada por acidente aérea que matou Eduardo Campos. Em 2018, Bolsonaro estava na frente, mas foi favorecido pela comoção nacional ao sobreviver o atentado.
Mesmo sem tragédias, a política é uma arte que foge dos modelos. Ninguém imaginava em março que Lula recuperaria tão rápido o seu potencial eleitoral. Nem mesmo Lula, aliás.
Para que apareça um terceiro candidato é preciso acatar algumas premissas:
Com Lula e Bolsonaro no páreo, um terceiro competidor só terá chances de passar de 25% dos votos no primeiro turno. Abaixo disso, é improvável que ele alcance o segundo turno.
Se 25% é o número mágico, não dá para pensar em ter mais um candidato. Vai ser preciso, sim, juntar nomes liberais como João Amoêdo com desenvolvimentistas como Ciro Gomes, o que ser um saco de gatos ou uma frente ampla, dependendo do ângulo que se olha.
Apesar dos egos dos pré-candidatos, no entanto, a maior dificuldade não é chegar a um nome, mas a um propósito. Terceira Via para quê? Se for para tirar Bolsonaro, Lula basta. E vice-versa. Falta aos postulantes da Terceira Via definir um programa mínimo que não apenas supere a instabilidade política e da areia movediça econômica que estamos mergulhados desde as Marchas de 2013, mas que aponte para algum lugar.
Lula lidera as pesquisas hoje não pelo futuro que promete, mas pelo passado que representa. Bolsonaro tem cacife não pelo governo que faz no presente, mas porque é a negação do mesmo passado louvado pelo PT. A única opção -sem garantia de sucesso- da Terceira Via é prometer o futuro.
No xadrez, que uma espécie de política por outros meios, aprende-se que só se consegue resultados diferentes cometendo erros diferentes, eliminando os erros velhos. O Centro perdeu seu espaço de antagonista do PT para Bolsonaro. Se quiser retomar o lugar, terá de reagir com a mesma intensidade. Ou sair do jogo.
O ex-presidente Lula da Silva, hoje o grande favorito à eleição presidencial do ano que vem, tratou de lembrar ao eleitorado por que razão a simples menção de seu nome evoca um Brasil prisioneiro de ideias retrógradas e nocivas.
De O Estado de São Paulo
A propósito do processo de privatização da Eletrobrás – que talvez seja finalmente levado adiante, muito a contragosto do presidente Jair Bolsonaro –, o chefão petista foi às redes sociais para qualificar a venda da estatal de “crime contra o povo brasileiro”.
Lula é um caso perdido. Mesmo que, por mera estratégia eleitoral, procure se apresentar como o muito procurado candidato do “centro” – responsável, democrático e moderno –, o demiurgo de Garanhuns jamais conseguirá superar sua natureza autoritária e estatólatra.
Não há motivo racional para se opor à privatização da Eletrobrás (nem de qualquer outra estatal), ainda mais nos termos usados por Lula da Silva. Ao dizer que a venda da Eletrobrás, “a preço de banana”, ameaça “o futuro do nosso país” e coloca em risco “a soberania e a segurança energética do Brasil”, o ex-presidente comporta-se como agitador de grêmio estudantil, e não como alguém que reivindica a chefia do governo.
Mas Lula da Silva não se limitou a denunciar o ataque à “soberania” brasileira. Declarou, sem qualquer evidência, que a privatização da Eletrobrás “vai também elevar consideravelmente as tarifas de energia”. É um escárnio.
Sob a Presidência de Dilma Rousseff – suposta expert em energia que foi ministra de Lula e que depois sucedeu a seu criador –, o governo tentou reduzir na marra a conta de luz dos brasileiros, por meio da infame Medida Provisória 579. O desconto chegou a 20% em 2013, mas a medida demagógica criou um passivo de mais de R$ 60 bilhões – custo da indenização aos transmissores afetados pela renegociação das concessões conduzida por Dilma.
Um ano mais tarde, em 2014, o governo se deu conta de que não teria recursos para a indenização. Para evitar um aumento na conta de luz em ano eleitoral, Dilma preferiu deflagrar uma operação de socorro às empresas de energia, liderada por bancos públicos.
Dilma passou a campanha toda negando que haveria um tarifaço. Assim que foi reeleita, a presidente acabou com a farsa da conta de luz barata: em 2015, houve um tarifaço médio de mais de 50% – suficiente apenas para cobrir o aumento dos custos das empresas de energia, mas não para as indenizações. Ou seja, os brasileiros continuam até hoje financiando a lambança irresponsável de Dilma, que Lula finge ter esquecido.
A indecente aposta de Lula na falta de memória do eleitor não para por aí. O ex-presidente declarou que a venda da Eletrobrás aumenta o “risco de apagões”. Dilma havia dito o mesmo em 2017, quando o governo de Michel Temer tentou avançar a privatização. “O consumidor vai pagar uma conta de luz estratosférica por uma energia que não terá fornecimento garantido”, disse Dilma na ocasião.
A desfaçatez é impressionante, mesmo para os padrões lulopetistas. Sob o governo de Dilma – que se elegeu prometendo acabar com os apagões –, houve uma série de blecautes. Só em outubro de 2012 houve dois: um que afetou o Sul, o Sudeste e o Centro-Oeste e outro que atingiu o Nordeste e o Norte. Em vez de assumir que faltaram investimentos no setor elétrico, o governo preferiu culpar a natureza.
É justamente para melhorar o setor elétrico que a privatização da Eletrobrás é urgente, pois o governo não tem condições de fazer os investimentos necessários e não há perspectiva de que venha a ter num futuro previsível.
Mas parece haver um consórcio destinado a impedir a modernização do Brasil, representado pelos dois candidatos que lideram as pesquisas, Lula e o presidente Bolsonaro. Pois Bolsonaro, desde sempre, é contra privatizações. Na campanha de 2018, usou uma analogia avícola para descartar a venda da Eletrobrás: “Suponha que você tem um galinheiro no fundo de sua casa e viva dele. Quando privatiza, você não tem a garantia de comer um ovo cozido. Nós vamos deixar a energia nas mãos de terceiros?”.
Dilma não faria melhor.
O ministro Edson Fachin encaminhou ao plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) o recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) que contesta a homologação da delação premiada do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral.
De Notas & Informações - Estadão Conteúdo
Trata-se de uma excelente oportunidade para o colegiado do Supremo, à luz da experiência destes anos em que o instituto foi incorporado à legislação brasileira, proporcionar uma aplicação da colaboração premiada mais madura e em maior conformidade com os princípios constitucionais.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a delação foi importada de outro sistema jurídico, com pressupostos e regras diferentes dos daqui. Feita sem os devidos cuidados, sua incorporação ao ordenamento brasileiro acarretou não pequenos problemas. Por exemplo, em 2019, em respeito ao princípio da ampla defesa, o Supremo precisou definir que, nos processos penais com réus delatores e delatados, estes tinham o direito de apresentar por último suas alegações finais.
Além disso, as partes envolvidas na delação têm atributos diferentes. Nos Estados Unidos, por exemplo, a promotoria está sujeita a constante controle popular, uma vez que os cargos são preenchidos por eleição, e não por concurso. Aqui, a colaboração premiada ampliou os poderes do Ministério Público e da Polícia Federal – por exemplo, negociam a pena com o colaborador –, mas suas responsabilidades continuaram as mesmas.
Ao lidar com as delações, o Judiciário deve ter especial zelo com o princípio da presunção de inocência e com a proteção da honra. Isso se aplica a todas as colaborações premiadas, envolvam ou não ministros do Supremo. Na delação de Sérgio Cabral, há acusações contra o ministro Dias Toffoli.
Uma colaboração premiada pode destruir a honra de uma pessoa ou em certos casos a reputação da instituição à qual ela está vinculada. Por isso, cabe à Justiça ser rigorosa, fazendo uma apuração exaustiva dos fatos acusatórios antes de dar-lhes publicidade.
A Lei 13.964/2019 definiu parâmetros precisos, não discricionários, sobre o momento em que o conteúdo de uma delação pode se tornar público. “O acordo de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, sendo vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese.”
A delação nada mais é do que a palavra de uma pessoa envolvida em práticas criminosas, relatando crimes de terceiros, em troca de uma pena menor. Não há contexto de isenção. Por isso, seria equivocado tomar essas declarações como verdadeiras, sem antes realizar uma rigorosa apuração.
Precisamente porque o delator é parte interessada, a delação não é condição suficiente para condenar criminalmente uma pessoa. Em sua versão original, a Lei 12.850/13 já dispunha que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”.
Depois de seis anos de vigência da lei – e com a experiência de uma excessiva e desproporcional valorização da palavra do delator ao longo desse período –, o Congresso fixou limites ainda mais precisos para o valor probatório da delação. “Nenhuma das seguintes medidas será decretada ou proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador: (i) medidas cautelares reais ou pessoais; (ii) recebimento de denúncia ou queixa-crime; e (iii) sentença condenatória”, dispôs a Lei 13.964/2019.
Além disso, para que o sistema penal possa funcionar com um mínimo de segurança, delações falsas ou incompletas devem ser tratadas com rigor. Muitas vezes, a Justiça permitiu aditamentos e remendos – o que faz com que a palavra do delator mereça ainda menos crédito.
À luz da Constituição, cabe ao Supremo corroborar os critérios definidos pelo Congresso em 2019, conferindo à delação o valor que lhe cabe, sem exageros e sem ingenuidades. Em vez de contribuir para reduzir a impunidade, seu uso indevido gera ainda mais desequilíbrios ao sistema penal, além de desrespeitar importantes princípios constitucionais.
Por Rubens Figueiredo *
Dois políticos chegaram ao status de semideuses no imaginário da sociedade brasileira: Lula e Sérgio Moro. Lula, porque colocou comida na mesa e TV de tela plana nas paredes das casas dos eleitores mais humildes. Sérgio Moro, porque levou à opinião pública uma ideia de Justiça na qual ninguém acreditava: no Brasil, ricos e poderosos também podem ir para a cadeia.
Lula, no final do seu segundo mandato, chegou a inacreditáveis 82% de ótimo de bom, segundo o Datafolha. É bem verdade que contou com um monumental e eficiente esquema de comunicação. Moro, em março de 2016, apenas com mídia espontânea, chegou a 65%. Nada mal para um juiz de Curitiba, até então pouquíssimo conhecido e sem nenhum carisma nas telas de TV.
A Lava Jato era unanimidade nacional. As operações se sucediam a um ritmo alucinante e Moro virou um juiz superstar, algo tão conveniente quanto um diretor de bateria de escola de samba desanimado. Esperto, Bolsonaro percebeu que ele poderia representar, em seu governo, um dos eixos de sua campanha: o combate à corrupção. O liberalismo ficaria com Paulo Guedes e a pauta dos costumes seria gerida pela infantaria ligeira, com Damares, Ricardo Salles, Ernesto Araújo etc.
Hoje, o inexperiente Moro é mais interessante para Bolsonaro do que Lula. Comida na mesa e TV na parede são mais concretos do que um ideal de Justiça. A aprovação do trabalho do juiz de Curitiba caiu de 65 para 45%, ele – pasme – trabalha num escritório que defende a Odebrecht e sua saída do governo Bolsonaro o chamuscou. Ainda é forte, mostram as pesquisas. Agora colocado sob suspeição, é uma pálida sombra do que foi.
* É CIENTISTA POLÍTICO PELA USP