EDITORIAL Por Edson Rodrigues e Edivaldo Rodrigues O governador Laurez Moreira não pode se esconder atrás da agenda de viagens nem do discurso genérico de gestão. Diante das denúncias que envolvem o BRB, a folha de pagamento dos servidores do Tocantins e um esquema bilionário de fraudes no sistema financeiro, a omissão deixa de ser erro político e passa a ser risco de responsabilidade direta. Quando o banco escolhido pelo governo para gerir salários e operações de consignado está no centro de uma operação da Polícia Federal, o silêncio do Palácio Araguaia passa a soar como conivência. Um escândalo nacional que respinga no Tocantins Polícia Federal Prende Daniel Vorcaro, presidente do Banco Master A Operação Compliance Zero, deflagrada pela Polícia Federal, escancarou um esquema de fraudes bilionárias envolvendo o Banco Master e o Banco de Brasília (BRB). A PF e o Banco Central apontam suspeita de fraude em títulos de crédito na casa de R$ 12 bilhões, com apreensão de bens de luxo, bloqueio de valores e a liquidação extrajudicial do Banco Master. No olho do furacão, o BRB, banco para o qual o governo do Tocantins empurrou a folha de pagamento dos servidores. O fio de Cappelli e a denúncia sobre os servidores do Tocantins Em meio à operação, o ex-interventor federal no DF, Ricardo Cappelli, publicou um fio nas redes sociais explicando, passo a passo, o que ele chama de “esquema de carteiras falsas de consignado”. Segundo Cappelli, o roteiro seria o seguinte: Parceria governo do Tocantins–BRB. O governador afastado fez uma “parceria” com o BRB para administrar uma dívida que o Estado tinha com os servidores. Esse crédito, um direito dos funcionários públicos, foi transformado em ativo a ser operado pelo banco. Dados dos servidores repassados sem autorização Ainda segundo o fio, sem autorização das pessoas, o governo do Tocantins repassou ao BRB as informações sobre esse crédito, que passou a ser usado como base para operações financeiras com os servidores. Oferta de “antecipação” com deságio. De posse dos dados, o BRB começou a procurar servidores oferecendo antecipação do valor a receber, com deságio. Muitos aceitaram acreditando se tratar de uma operação de quitação ou antecipação do que o Estado lhes devia. A “surpresinha”: consignado travestido de crédito. Só que, no mês seguinte, vieram os descontos em folha e na conta corrente. A denúncia de Cappelli é que o banco teria registrado essas operações como crédito consignado, e não simplesmente como antecipação de um direito já existente ou seja, uma operação de risco para o servidor, e vantajosa para inflar a carteira de consignados do BRB. Carteiras “turbinadas” e negociadas no mercado Com isso, o BRB teria aumentado sua carteira de consignados e negociado esses papéis no mercado financeiro como se fossem operações regulares, com lastro e autorização, quando as denúncias apontam o contrário. Se tudo isso for confirmado, não se trata apenas de um abuso contra servidores tocantinenses. Estamos falando de possível crime contra o sistema financeiro nacional, com reflexos em todo o país exatamente a linha de investigação que hoje mira BRB e Master. Servidor refém do BRB e do silêncio oficial Ex-Paulo Henrique Costa, presidente do BRB e o governador afastado Wanderlei Barbosa No Tocantins, a relação com o BRB já vinha sendo motivo de revolta silenciosa entre servidores: obrigatoriedade de receber salários por um banco com pouquíssimas agências físicas no Estado; dificuldades para realizar operações simples sem depender de PIX, aplicativo ou correspondentes bancários; relatos de consignados contratados com erro, falhas de informação ou sem plena clareza das condições; sensação generalizada de que o servidor foi tratado como “número” em uma engenharia financeira, não como cidadão com direitos. Agora, com as denúncias de Cappelli e a explosão do escândalo Master–BRB em nível nacional, essa insatisfação ganha um novo peso: não é mais apenas um problema de conforto bancário ou de escolha de instituição financeira. É um problema de legalidade, transparência e respeito ao funcionalismo público. Laurez não pode ser passageiro de luxo Diante desse cenário, o governador Laurez Moreira não pode continuar agindo como passageiro de luxo em aeronave oficial enquanto o tema explode nas redes, na imprensa nacional, no Ministério Público Federal e na Polícia Federal. Ele tem três responsabilidades imediatas: Proteger os servidores do Estado; Rever a relação com o BRB e garantir transparência ativa O governo que se omite frente a um escândalo dessa dimensão vira parte do problema política e juridicamente. Transparência: de slogan a prática Laurez Moreira tem repetido que deseja marcar sua gestão pela “transparência”. Chegou a hora de provar que isso não é apenas palavra de discurso. Algumas medidas que deveriam ser anunciadas já: Criação de um canal oficial para que servidores denunciem, com segurança, eventuais irregularidades em consignados, descontos e contratos ligados ao BRB. Auditoria independente nos contratos entre Estado e BRB envolvendo folha e consignados de servidores. Divulgação de dados consolidados: quantos servidores aderiram às operações ligadas à dívida do Estado, quanto foi movimentado, qual o deságio, e em que condições. Articulação formal com o MPF e a PF, colocando o governo à disposição para fornecer documentos, contratos e informações. Se o Ministério Público Federal já vê o BRB como cúmplice em crimes graves contra o sistema financeiro e o patrimônio público do DF, como consta em representação divulgada pela imprensa, o governo do Tocantins não pode bancar a neutralidade. O risco da omissão Há uma diferença clara entre não ser investigado e não ter responsabilidade. No caso do Tocantins, o governo: escolheu o BRB; mandou a folha de pagamento para lá; participou do desenho da operação envolvendo a dívida com servidores. Se a “engenharia” usada para transformar direito de servidor em produto financeiro lucrativo para o banco tiver violado lei, ética ou bom-senso, o governo não poderá alegar surpresa eterna. Polícia Federal no BRB A omissão diante de indícios públicos e graves também é uma forma de responsabilidade. Quando um governador se cala, ignora as denúncias, não se dirige aos servidores e não anuncia providências concretas, ele envia um recado perigoso: o Estado pode saber, mas prefere não mexer. A palavra que falta: posicionamento Neste momento, o que se espera do governador Laurez Moreira é simples e, ao mesmo tempo, decisivo: Reconhecer a gravidade do escândalo que envolve o BRB em nível nacional; Se posicionar claramente sobre o fio de Ricardo Cappelli e sobre as denúncias de servidores tocantinenses; Assumir compromisso público com a transparência total dos contratos e operações envolvendo o BRB; Garantir que nenhum servidor será prejudicado por esquemas de engenharia financeira feitos à sua revelia. Governar não é apenas inaugurar obras, cortar fitas ou viajar em agendas políticas. Governar é também e principalmente colocar o corpo na frente quando os direitos de milhares estão em risco. Diante do que já está público sobre Master, BRB e consignados, ficar em silêncio não é mais opção. É escolha. E escolha, na política, sempre cobra seu preço.